Creio que foi pouco antes do 25 de Abril de 1974 que Miller Guerra, distinto professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e membro da chamada Ala Liberal do Parlamento português, afirmou, com a sua habitual simplicidade e clareza, que "a universidade não se auto-reforma". Quem possui alguma experiência das nossas instituições reconhece que sempre que elas são alvo de reformas substanciais, essas mesmas reformas provêm de um agente externo e não de uma mão forte existente dentro delas.
As instituições não se auto-reformam por vários motivos, entre os quais está a pesada estrutura do Estado, alguma falta de autonomia mas, acima de tudo, porque as grandes alterações poderiam fazer mudar os seus próprios directores, que dirigem o processo e, com eles, os seus principais apoiantes. O princípio da segurança prevalece sobre o da produtividade, embora muitas vezes se intua que a produtividade poderia crescer substancialmente com a mudança. O não-mexer nas águas ou modificações apenas superficiais – "tem que se mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma" – recebe a concordância tácita dos que trabalham nas instituições. Daí que, também, a entrada de elementos novos, estranhos, seja vista com desconfiança. De todo este conjunto de factores resulta a atitude conhecida por in-breeding, ou endogamia, que consiste no convite a pessoas "da cor" por parte dos órgãos dirigentes das instituições. Serão elementos que, em princípio, não vêm para causar problemas e que até agradecem a oportunidade de emprego e segurança.
Isto vem a propósito da já referida necessidade de elementos externos para choques que, a certa altura, se tornam inevitáveis. A presente crise financeira global deu já, internacionalmente, azo a mudanças substanciais, como a semi-abertura do sigilo bancário suíço, um bastião que, assim, vai finalmente sofrendo alguma alteração. Em Portugal, uma maior abertura do mesmo sigilo bancário tem sido sucessivamente adiada. Num país de grandes desigualdades sociais em termos de riqueza, entende-se porquê. Espera-se agora que, com a pressão internacional e a existência de escândalos de falta de controlo governamental, como os do BPN e do BCP, o posicionamento relativo ao sigilo bancário se inverta e se torne, finalmente, mais transparente.
Porque, se as instituições puderem continuar a falar apenas consigo próprias, como é o caso da Assembleia da República, não há muito a esperar. A auto-reforma não só não surgirá nunca, como também decisões semelhantes à recentemente tomada – à pressa mas consensualmente - pelo parlamento português relativamente a uma nova lei do financiamento dos partidos agravarão o panorama e levarão a um acréscimo do corporativismo – um dos grandes cancros da democracia – que tenderá a alastrar gravosamente por outras instituições, a bem dos próprios e para mal do país e da transparência do sistema democrático.
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