5/15/2009

Já pedi desculpa, não pedi?!

Contrariamente a muitas outras pessoas, considero que os portugueses pedem desculpa vezes de mais. Quando eu era pequeno e fazia um ruído menos correcto com a boca depois de comer, sem pedir desculpa a seguir, a minha mãe apressava-se a corrigir o meu silêncio, "Com licença!" E eu repetia "Com licença!" Devo dizer que, uns anos mais tarde, quando pensava no "Com licença!" não entendia muito bem a expressão, porque licença eu não tinha pedido a ninguém nem ninguém ma tinha dado, mas enfim... era assim.
Não estou bem certo de que esta seja uma expressão ainda em uso nos dias de hoje a não ser, por exemplo, quando chegamos a um espectáculo e precisamos de entrar para um lugar no meio da fila já parcialmente ocupada. Dizer "Com licença" neste caso é de bom-tom, mas, repito, "Com licença de quem?" Ora, "Dá licença?" não será melhor? Já quando se pisa alguém ao entrar na dita fila, o correcto será "peço desculpa!" ou "perdão!", expressões que serão quase de certeza correspondidas por um reprimido esgar de dor da vítima.
Seja como for, a verdade é que o grande princípio a respeitar é o de não ter necessidade de pedir desculpa. Num exemplo característico: quem chega atrasado, acaba por ter de pedir desculpa por não ter chegado a horas. Ora, desculpar-se com qualquer motivo não fica bem, porque possivelmente uma reunião não começou ainda por causa do retardatário. Ou um almoço de negócios. Note-se que, em várias culturas, quem pede desculpa não recebe automaticamente deferimento ao seu pedido. Em Portugal admite-se que sim. "Já pedi desculpa, não pedi?!"
Estou em crer que a nossa cultura é, neste caso, profundamente influenciada pela religião católica. Imagine-se que eu, solteiro, cometo adultério com uma amiga minha, casada. Num confessionário, admito o facto ao padre e mostro o meu arrependimento. Ele, como representante de Deus, concede-me o perdão. Se repararmos bem, a única pessoa que me poderia perdoar o acto era o marido da senhora em questão. O padre, porém, não presta grande importância a esse facto e, para ele, o meu arrependimento é suficiente. Peço desculpa, e pronto. O dito marido, que em princípio não me perdoaria, fica de fora, alheio a toda a questão e, o que é mais, a todo o perdão. A pergunta impõe-se: como é que um padre pode perdoar, seja em nome de quem for, um acto que o principal visado provavelmente não perdoaria? Mas é um facto que ele, o sacerdote, perdoa.
Daqui resulta que pedir desculpa e automatizar o perdão se tornam actos perfeitamente comuns. Alguns protestantes com quem tenho falado não entendem como é que um católico pode confessar-se ao fim-de-semana, obter o perdão e voltar a pecar de forma semelhante na semana seguinte. A mim também me custa a entender. Mas já entendo perfeitamente que este facilitismo das coisas possa conduzir a outros facilitismos, a frases ofensivas que saem dos lábios e pelas quais se pede imediatamente desculpa, a gestos perfeitamente evitáveis, a atrasos, à falta da muito propalada accountability, etc. No reino da carência de disciplina-a-sério, vale tudo.

P.S. Os pecados dos políticos também são perdoados, claro está. Não será algo muito "católico", mas...

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