5/24/2009

Telemóveis na sala de aula

O caso Watergate, ocorrido em Washington em 1972 acabou por pôr fim à carreira presidencial de Richard Nixon dois anos depois. Ficou provado, entre outros factos, que o Governo tinha disponibilizado à oposição instalações oficiais nas quais tinham sido previamente escondidos microfones que permitiam ao Governo gravar todas as reuniões dos seus adversários, com as vantagens inerentes.
Na minha vida profissional tive dois casos ligados a gravações. Num deles, o Presidente do Conselho Científico de que eu era membro anunciou que iria gravar todas as reuniões a fim de impor maior produtividade de trabalho. A realidade era, contudo, outra e, dado que na altura havia na instituição vários processos disciplinares contra professores, a presença do gravador amedrontou muitos membros, que preferiam ficar calados a dizerem de sua justiça. O Presidente teve de desistir da sua medida.
Num outro caso, na mesma instituição e no mesmo órgão mas em ocasião diferente, foi utilizado de novo um gravador, desta feita sob a alegação de ajudar na feitura das actas. Também nesta ocasião o ambiente que se vivia na instituição apresentava problemas graves. Mais tarde, verificou-se através da audição das gravações que tinha havido manipulação dos projectos de actas, os quais omitiam factos importantes e davam realce a outros que comprometiam determinadas pessoas.
Esta é, em resumo, a minha experiência profissional com gravadores. Devo dizer que se por acaso algum aluno meu me pedisse para gravar uma aula – o que nunca sucedeu – eu poderia consentir se considerasse que havia razões plausíveis para a gravação. A forma como eu daria a aula, porém, estaria longe de ser a habitual. Uma gravação condiciona as pessoas – certamente umas mais do que outras. Esta é uma das razões por que muitas das gravações acabam por ser feitas sem o conhecimento e concomitante consentimento de quem vai ser gravado.
Este arrazoado vem, naturalmente, a propósito do que se passou numa escola portuguesa muito recentemente. Uma professora que, segundo a informação que possuo, teria frequentemente um comportamento que desagradava a alguns estudantes, colocando perguntas algo insólitas e fazendo comentários menos correctos, viu uma parte de uma aula sua ser gravada por uma aluna. Presentemente, a professora está a ser alvo de um processo disciplinar.
Pergunta-se: a aluna que efectuou a gravação vai ser punida? A gravação tem valor legal? Este facto não pode levar a que, noutros estabelecimentos de ensino, alunos passem a gravar aulas dos professores sem o consentimento destes? Que efeito terá este facto sobre o ensino e sobre as relações humanas na escola? Ou deverá proibir-se os alunos, tout court, de usarem gravadores (incorporados nos telemóveis) durante as aulas?
Ser bufo é muito feio. Lembra tempos pouco democráticos e situações inadmissíveis numa sociedade sã. Mas protestar justificadamente não é ser bufo. Imaginemos que os alunos de uma determinada turma se consideram ofendidos pela forma como são tratados numa disciplina pelo seu professor. Que deverão fazer? Falar com o professor? Expor as suas razões ao órgão directivo e participar o caso? Suponhamos agora que esse órgão não quer actuar e, de facto, nada faz. Passará a ser eticamente legítimo que um dos estudantes efectue uma ou mais gravações exemplificativas do que se passa? Ou, em alternativa, deverá o Director pedir ele próprio a um aluno para fazer essas gravações, com isso dando-lhe tacitamente autorização mas quebrando o pacto de lealdade de relacionamento com os professores?
Todas estas questões vêm mostrar uma necessidade evidente: a de haver uma avaliação regular da escola, incluindo obviamente os professores. Nessa avaliação os alunos deverão participar, ao contrário do que tem sido sugerido até agora. Situações como esta, em questionário aberto, são imediatamente detectadas através de um número suficientemente grande de comentários de estudantes, dando assim total credibilidade aos seus depoimentos. A utilização de telemóveis bem pode a partir desse instante ser taxativamente proibida nas aulas, com punição especificada para os eventuais infractores.

Sem comentários:

Enviar um comentário