Na terça-feira passada, o conhecido médico Fernando Nobre foi convidado da INATEL para falar sobre Solidariedade. Fui ouvi-lo. Valeu a pena. O que abaixo deixo escrito não se pode considerar uma reprodução da conferência e tem vários aditamentos meus, mas o essencial do que foi dito creio que está registado. Entretanto, permito-me fazer notar que não se tratou de uma sessão de bota-abaixo. O médico em questão não é um político de carreira, conquanto a sua análise tenha muito de político, como se poderia esperar de um homem bem informado.
Pessoalmente, e sei que não estou sozinho na minha opinião, sinto que Fernando Nobre é um homem bom. Tem dado provas evidentes de se preocupar profundamente com os outros. Nascido em Angola em 1951, foi aos 12 anos com a família para o ex-Congo Belga. Posteriormente, cursou medicina na Bélgica, onde viveu durante cerca de 20 anos. Entre 1977 e 1983 participou na Associação de Médicos Sem Fronteiras. Em 1984 fundou ele próprio a AMI (Assistência Médica Internacional). Incansável, Fernando Nobre já participou em missões humanitárias em cerca de 100 países.
Como orador, Fernando Nobre (FN) não tem qualquer semelhança com os deputados-tipo do parlamento português e, embora seja mais um fazedor, comunica bem e faz passar a sua mensagem.
Neste caso, falou concretamente sobre a solidariedade possível na nossa sociedade e apontou diversos caminhos, todos exequíveis e alguns a necessitarem apenas de ser aprofundados. Desassombradamente, abordou questões actuais e não se incomodou de ser politicamente menos correcto ao chamar os bois pelos nomes. Acordaram em mim as recentes palavras fortíssimas que D. Manuel, bispo emérito de Setúbal, pôs na boca dos mais desfavorecidos: "Sem pão, ou mato ou me mato." Na palavra desespero (quando nada esperamos na nossa desesperança), a esperança está ausente.
FN considerou o desemprego como a principal causa da pobreza e uma perigosa bomba social ao retardador. Recordou a grave disparidade social existente no nosso país, que causa escândalo perante outras sociedades europeias em que o desnível que se regista entre os 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres é francamente menos notório.
Sobre os políticos e a política em geral, não hesitou em referir aquilo que quase todos vemos: uma enorme desconfiança e um evidente descrédito. Censurou os casos em que os administradores aumentam as suas remunerações ao mesmo tempo que despedem empregados. Afirmou que ser líder é ter obrigatoriamente que dar o exemplo, o que implica um número muito maior de deveres do que de direitos. O contrário, que tem sido prática corrente, revela uma sociedade inquinada e uma solidariedade inexistente.
Henri Bartoli, famoso economista francês falecido o ano passado, disse que "a economia não tem como seu primeiro objectivo produzir bens e serviços, acumular capitais, realizar lucros, mas sim servir a vida e a conquista pela espécie humana do seu estatuto de humanidade. A economia é das pessoas e não das coisas." É isso que vemos?
Por seu lado, Carlos Fuentes lembra que hoje em dia "o que se mundializa não é a riqueza, mas sim a pobreza."
Segundo FN, a continuada construção de condomínios fechados em Portugal é mais um sintoma de uma sociedade desequilibrada e doente. Actualmente, há crianças em Portugal a comerem apenas uma refeição decente por dia: a que lhes é servida na escola. Este é, infelizmente, o resultado de pensões de reforma muito baixas e de situações de grande aflição. O negócio das casas de penhores floresce, as marcas brancas dos supermercados vêem a procura aumentar.
Se virmos bem, a diferença relativamente à crise de 1929 não é tão grande como se propala. Ora, convém lembrar que essa crise desembocou em ditaduras, a começar na Alemanha de Hitler, na Espanha após a Guerra Civil, na Itália, em Portugal, etc. Se prestarmos atenção, veremos que, entretanto, os orçamentos militares de diversos países não têm presentemente vindo a diminuir. Pelo contrário.
Continua a ser cada vez mais preciso lutar por melhor justiça (a justiça é, em si, solidariedade). É essencial combater escandalosas injustiças fiscais, como as que são praticadas através das sociedades offshore, vulgo "paraísos fiscais".
Por seu lado, os mais educados possuem deveres vários para com o seu país, tais como fornecer alguma educação financeira às populações e instruir as pessoas quanto a questões de consumo. Pouco ou nada disso se faz. Sofia de Mello Breyner afirmava que "nada é mais triste do que um homem acomodado". Precisamos de falar, de escrever, de dar voz às injustiças. Hoje as pessoas estão a falar caladas.
O que parece incrível é verificar que em Portugal, ao contrário do que sucede noutros países, não existem causas nacionais transversais que sejam defendidas pelos principais partidos. Não existe uma definição concreta de eixos estratégicos nacionais nos domínios da educação, justiça e saúde, aspectos que não tenham que mudar todos os anos ou de governo para governo. Falta claramente uma visão apropriada de Estado. Entretanto, se os políticos actuais não são capazes de definir eixos estratégicos e unir-se em torno de causas estruturais da nação, a melhor solução parece ser a de recusar estes e eleger outros. Trata-se de um gesto de solidariedade para com o país.
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