Para quem já pode falar de um relativamente longo curso de vida é, obviamente, mais visível a mudança das sociedades em determinados padrões. Atrevo-me a dizer que na sociedade portuguesa existem, para além de vários outros, uns tantos pontos em que são bem notórias alterações substanciais. Embora os factores que agora são predominantes sempre tivessem existido na sociedade, o seu peso era claramente inferior ao dos seus contrários. Todos os itens que aponto têm alguma ligação entre si.
Uma das alterações mais significativas consistiu na passagem de uma sociedade prioritariamente do dever para uma outra primordialmente dos direitos. Onde outrora se falava de obrigações, hoje tende-se a invocar direitos. Este novo posicionamento retira prazer ao trabalho, que se continua a fazer mas mais esforçadamente, incentiva o pensamento em fins-de-semana, nas férias e na aposentação ou reforma e, à escala nacional, conduz a menor rigor, maior facilitismo e mais baixa produtividade.
Directamente correlacionada está a redução da capacidade de sacrifício, como reflexo imediato da glorificação do prazer. A sociedade de há umas décadas era mais resignada e arcava com o seu fardo como um dever natural. Com a diminuição do limiar de sofrimento, passou a existir uma insatisfação maior e um mais agudo sentimento de inveja perante os que se podem dar ao luxo de prazeres e de conveniências várias. Daqui resulta uma sociedade mais tumultuosa e menos contida.
Os valores éticos sofreram uma clara menorização, em parte como resultado da limitação da consciência do que é pecado. A contrapor-se, surgiu a liberdade, o vale-quase-tudo. Aspectos religiosos, muito salientes em décadas anteriores, esvaneceram-se notoriamente. As filas que se registavam noutros tempos para a confissão dos pecados dos fiéis só muito esporadicamente poderão surgir. A existência de menos valores de referência leva a que, em caso de comportamentos duvidosos, a lei seja invocada por uns tantos como não infringida - o ónus da prova ficará a cargo do acusador -, relegando para segundo plano eventuais aspectos éticos.
Toda a transição do culto de um certo espartanismo, que anteriormente prevalecia, para uma ficcionada sociedade de bem-estar "romano" levou a que vários provérbios antigos passassem a ser ignorados. "No poupar é que está o ganho" constitui um bom exemplo, substituído gradualmente por algo não expresso mas materializado em "no gastar é que está o prazer". Deste novo posicionamento resultou inicialmente uma taxa de poupança com forte diminuição que, posteriormente, se traduziu num acentuado endividamento das famílias.
No seu conjunto, estas são alterações muito profundas.
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