7/03/2006

analogicaMENTE

Assisti anteontem, no Centro Cultural de Cascais, a uma magnífica conferência de António Damásio sobre Memória e Criatividade. Entre o muito que aprendi, realço alguns aspectos que me permitiram deduzir a causa física do funcionamento analógico do cérebro.
Fiquei a saber que o registo de informação a que damos o nome de aprendizagem consiste na «deformação» de circuitos neuronais quando expostos a determinados estímulos. Essa informação não pode aliás ser lida como quem lê um livro, estando sim codificada na «deformação» electroquímica operada por estimulação. Por outro lado, a re-exposição desses circuitos neuronais a estímulos idênticos - aquilo a que chamamos reforço da aprendizagem - reactiva (recupera) os registos prévios, sendo essa reactivação facilitada pela preexistência de "trilhos" criados pela «deformação» dos circuitos em causa, cujo limiar de excitação por conseguinte desce. Por outras palavras, para que um circuito neuronal já informado (deformado, na linguagem de Damásio) "dispare" de novo, a intensidade do(s) estímulo(s) adequado(s) pode ser inferior à intensidade da estimulação inicial.
Significa isto, deduzo eu, que um estímulo diferente do inicial - portanto mais fraco - pode ser contudo forte quanto baste para reactivar / fazer "disparar" por analogia o correspondente circuito prévio.
Suponhamos, à laia de exemplo, que alguém aprende as propriedades do triângulo mediante a exibição da imagem de um triângulo equilátero. Mais tarde eventualmente confrontada com a imagem de um triângulo escaleno, essa pessoa decerto reconhecerá neste o triângulo configurado pelo padrão "equilátero". Em suma: o mesmo "trilho" neuronal terá força analógica para processar estímulos distintos (se bem que obrigatoriamente congruentes), permitindo ao cérebro economizar a energia e o espaço de memória que, nas mesmas circunstâncias, um computador estaria condenado a gastar. Com efeito, um computador programado para reconhecer triângulos estritamente segundo o padrão "equilátero" seria incapaz de efectuar esse reconhecimento através de um triângulo escaleno, isto é, de efectuar o salto analógico que cobre a distância entre os dois estímulos. Para tal, seria necessário programá-lo de novo (criar outro "trilho" electrónico), pois os limiares de "excitação" não são passíveis de variação neste domínio. Num sistema digital, um "estímulo" capaz de "excitar" determinado circuito não pode ser apenas análogo ao respectivo padrão inicial - tem de ser igual.

Sem comentários:

Enviar um comentário