7/10/2006

Portugal sob o olhar atento dos EUA e do Vaticano

Os media acabam de nos informar que mais de 2500 documentos norte-americanos sobre a revolução portuguesa de 1974 e seu consequente processo evolutivo passaram a estar disponíveis na Internet. Trata-se de documentos que foram inicialmente confidenciais. Ressalta deles uma preocupação dos Estados Unidos que não é de resto novidade total: iria o Portugal pós-revolução tornar-se um país comunista - a Cuba da Europa - ou manter-se-ia fiel ao seu curso tradicional de alinhamento com o capitalismo?
Esta é, de facto, uma questão interessante. Para os Estados Unidos, país líder do capitalismo, então muito envolvido na chamada Guerra Fria contra as nações tuteladas pela União Soviética e preocupado com a teoria do dominó político de avanço do comunismo, estaria Portugal a iniciar uma nova frente comunista no ocidente europeu?
É um ponto de vista típico de uma nação globalizante. Cabia aos Estados Unidos controlar a situação, puxar os cordelinhos, trazer as ovelhas tresmalhadas para o seu redil.
Curiosamente, Portugal esteve no século XVII igualmente no epicentro de uma querela com laivos de semelhança, embora a sua natureza fosse mais de ordem religiosa do que exclusivamente política. A pergunta que outro centro globalizante - o Vaticano - fazia nessa altura era: irá Portugal tornar-se uma nação protestante?
Tudo começou com a retoma da independência portuguesa em 1640. Aproveitando a presença de grandes contingentes de tropas madrilenas na Catalunha para tentar sufocar uma grave rebelião, os portugueses revoltaram-se e conseguiram sacudir o jugo espanhol. Contudo, só foram bem sucedidos por terem as costas protegidas por um aliado bem forte: a Inglaterra. Ora, sucedia que nessa altura a Inglaterra surgia aos olhos do Vaticano como um dos símbolos mais fortes das nações protestantes. Aí a dúvida instalou-se. Iria Portugal abandonar a sua tradicional posição de país católico e alinhar com os protestantes? Por este motivo e, simultaneamente, porque não queria indispor a Espanha que entretanto lutava por tentar recuperar Portugal, o Vaticano acabou por reconhecer a independência portuguesa apenas cerca de 30 anos depois.
E ganhou muito com este reconhecimento. É que, posteriormente, para demonstrar o fidelíssimo catolicismo do país apesar da velha aliança com os protestantes ingleses, o rei português João V gastou avultadas maquias com o Vaticano. Uma parte substancial do ouro do Brasil foi gasta em pomposas obras da Igreja e em remessas para Roma. A culminar todo o processo, o rei português viu ser atribuído ao cardeal de Lisboa o título de Patriarca, algo de que nem a Espanha nem a França se podiam orgulhar. É, afinal, uma história com muitos testemunhos objectivos ainda hoje. O Museu dos Coches, por exemplo, e a Capela de S. João Baptista na Igreja de S. Roque têm muito que contar neste domínio.

Sem comentários:

Enviar um comentário