9/29/2007

Surpresa

Há muito que não me meto nestas andanças, mas não quero deixar de expressar a minha surpresa por encontrar Menezes na liderança do PPD/PSD. OK, sei que Mendes (curiosamente os dois nomes têm as mesmas três letras no início) perdeu as batalhas de Gondomar, Oeiras e Lisboa na sua guerra autárquica. Sei que Mendes se atolou quando foi jurar fidelidade a Jardim e reconhecer o real mérito de Sua Majestade. Mas entre os dois sempre havia uma diferençazinha. Agora tudo se esfumou. Mendes, ao perder para um presidente de câmara, mostrou que de facto as autarquias não são o seu forte. Não soube defender-se das directas que lhe lançaram, apesar do apoio expresso de uns tantos nomes sonantes do seu partido.

9/25/2007

Vermelho, encarnado ou rubro?

Quem leva já umas boas décadas de vida apercebeu-se decerto de uma mudança significativa relativamente ao Benfica. Não me refiro ao facto de a equipa não ser já a vencedora habitual dos jogos que disputa. Tão pouco àquela característica que foi apanágio do clube durante muitos e muitos anos de fazer alinhar apenas jogadores portugueses. A mudança que menciono também não tem a ver com o exemplo acabado do multi-culturalismo português que o Benfica constituía, com muitos jogadores oriundos das então províncias ultramarinas de Moçambique e Angola. A História fez com que esses traços característicos desaparecessem, um após outro. Ficou, entretanto, a glória do Benfica, o mito que ainda faz arrastar multidões aos estádios ou a visionar jogos através da televisão.
A alteração substancial a que aludo tem a ver com a simbólica cor das camisolas dos jogadores e, consequentemente, do clube. Salazar, que não gostava especialmente de futebol mas que dele se aproveitou inteligentemente tal como Franco fez relativamente ao Real Madrid, elegeu o Benfica como símbolo da Nação. Os dois maiores clubes de Lisboa tinham, aliás, as cores da bandeira portuguesa. Mas havia, e há, menos verde na bandeira do que encarnado.
Aqui chegamos, finalmente, ao encarnado. Porque não vermelho? Porque, em tempos de feroz anti-comunismo, a cor vermelha era exclusiva dos países de Leste. O Estrela Vermelha, da cidade de Belgrado do então general Tito, tinha essa designação em português porque provinha de um país comunistóide. "Vermelho" era palavra mais ou menos banida em Portugal. Os sinais de trânsito eram três: verde, amarelo e encarnado. "Encarnado" é palavra ligada, obviamente, a carne e à encarnação de Deus que se assumiu na forma humana de Jesus Cristo. Logo, encarnado é palavra boa. Assim como o Bairro da Encarnação e várias igrejas da Encarnação espalhadas por todo o país.
Nas línguas que conheço melhor, não encontro sinónimos directos como em português para esta cor. Red, rouge, rojo, rot. E pára aí. Em Portugal, não. Encarnado, vermelho e, ainda, rubro (cor não só de sangue, mas de fogo).
Hoje em dias os sinais de trânsito já não são apenas encarnados ("Olha que está vermelho!"), a nossa bandeira "verde-rubra" já tem para alguns verde e vermelho e, imagine-se, o Benfica tem uma claque que se intitulou de "diabos vermelhos". Por um lado, está bem. Se Deus é encarnado, o diabo bem que pode ser vermelho. Mas Salazar nunca consentiria que a claque do símbolo futebolístico da sua nação ("Nação") tivesse o nome de "diabos" e, muito menos, "vermelhos". Vade retro, Satanás! Abrenúncio! (A verdade é que "diabos encarnados" não daria. Seria misturar o diabo com a encarnação numa batalha encarniçada.)
Mudanças do pós-25 de Abril, que ocasionaram, entre outras, esta camaleónica mutação dos dizeres das cores. Há coisas do diabo, não há?

9/24/2007

Distribuição

Noticia a imprensa que quando um consumidor compra um quilo de pêra rocha ou de maçãs produzidas em Portugal, só um terço do valor pago pelo comprador reverte para o produtor. O resto fica, bem entendido, no sistema de distribuição.
Há anos que este facto é noticiado. Há anos que tudo permanece na mesma. É mau que assim seja. Ponhamo-nos no papel do produtor que, como é regra no ser humano, tem um apurado sentido de justiça. Ao ver que a população se queixa do preço da fruta e que ele se queixa dos seus fracos réditos, pensará normalmente que não vale a pena. Quando a fiscalidade de um país consente que as mais-valias vão prioritariamente para quem não produz e deixa com problemas financeiros aqueles que produzem – problemas financeiros agravados sempre que há calamidades atmosféricas -, pode pedir-se alguma motivação real a um produtor? Numa primeira oportunidade, se o dinheiro sonante vier a jeito, vende a sua propriedade principal a alguém que nela construirá uma casa, possivelmente com piscina, e deixará algum terreno para uma pequena horta ou árvores de fruto. O solo deixará de ter a mesma finalidade, como é óbvio. Multiplicado por variadíssimos casos deste tipo, o produto agrícola nacional não aumenta. Pelo contrário. O antigo agricultor irá passar uns dias a casa da filha nos arrabaldes do Porto, Viseu ou Lisboa, e nos outros continuará na sua terra, mas já sem produzir mais do que para seu próprio sustento.
A noção de que uns são escravos dos outros está enraizada em muita mentalidade portuguesa, certamente como resquício da colonização de séculos, alimentada pelo Estado e pela Igreja. O Estado, como gestor, tem largas culpas no cartório. Devido à adesão à União Europeia, é verdade que hoje o grande instrumento que lhe resta é o da fiscalidade. Mas será que o usa bem? Com toda a evidência, favorece os ricos, apenas tolera os restantes. Pode dizer-se que não é assim, mas os argumentos caem necessariamente por terra quando se olha para o sempre crescente fosso entre os mais necessitados e as elites, que as estatísticas comprovam. Enquanto a situação se mantiver assim - e a culpa não é de assacar apenas a este ou àquele governo, mas sim a todos os que não tentam efectuar a mudança -, Portugal continuará a afastar-se da Europa orgulhosa, motivada para produzir. Viver da reforma através da segurança social continuará a ser o objectivo número um de grande parte da população. Afinal, talvez esta não seja uma mera questão de distribuição de rendimentos relativa a maçãs e a pêra rocha.

9/21/2007

Palavras abstractas

Há uns cinco ou seis anos, um aluno meu de Inglês escreveu num teste coisas como the society, the responsibility, the accounting e viu o seu the sistematicamente riscado. Na aula, fez a pergunta que deveria e que sempre incentivei: "Why?"
Em conformidade com uma prática habitual, pedi a um colega dele, bom aluno, para vir para o meu lado explicar-lhe o assunto. O tema já tinha sido abordado em aula, mas o aluno em questão não o teria apreendido. Na sua explicação ao colega, o José Carlos, o bom aluno, disse-lhe que substantivos abstractos, como responsibility, não podem ser definidos, exactamente por serem abstractos. O uso do artigo de-fi-ni-do seria um contra-senso, na exacta medida em que definir uma coisa que é por natureza indefinida não faz sentido, pelo menos aos olhos da língua inglesa. Só é possível, explicou ele, quando essa palavra abstracta é restringida no seu sentido, como acontece quando se utiliza um of. Deu como exemplo "The responsibility of those people".
E como é que sabemos o que é uma palavra abstracta?”, insistiu o Mário, o aluno com dúvidas. Aí foi a minha vez de apelar para a memória dele e pedir-lhe, jocosamente, para recordar substantivos não-concretos, vagos e difusos, usados pelos políticos nos seus discursos. A turma toda colaborou. Desse brainstorming em estilo de verdadeiro happening surgiram palavras que eles ouviam frequentemente sair da boca dos políticos, como crescimento, qualidade, excelência, justiça, educação, saúde, produtividade, progresso, desenvolvimento, dignidade, honestidade, ética, moral, paz, segurança, liberdade. O Mário entendeu. Riu-se, juntamente com os colegas.
Não me lembro de posteriormente ter tido que usar a minha esferográfica para corrigir os the do Mário antes de substantivos abstractos.

9/19/2007

Quem ajuda os pobres ajuda-se a si mesmo

É possível que a máxima referida no título termine habitualmente com "ajuda a Deus". Mas isso é para aqueles que não pensam em termos de Realpolitik, na qual os valores contam decididamente menos do que os resultados.
Leio no jornal que "empresas brasileiras vivem uma febre de África". O artigo informa que o comércio entre o Brasil e África mais do que quadruplicou nos últimos dez anos e que existem várias grandes empresas brasileiras, como a Petrobras e a Odebrecht, na actual ofensiva.
A priori, não gostaria de criticar. E até aplaudirei se a exploração não for a do costume. O que quero sublinhar com este brevíssimo texto é o apetite frequente de países que antigamente foram colónias e que, por esse facto, não tiveram então oportunidade de ser colonizadores, de entrarem na colonização nouvelle vague. Tal como o Brasil foi uma colónia portuguesa, os Estados Unidos foram uma colónia inglesa. E que dizer dos apetites denotados pela Austrália, antiga colónia britânica, na sua esfera de acção?
Diga-se o que se disser, estas arremetidas são sinais de verdadeira pujança e espírito empreendedor. Tal como o sol, que quando coloca uma parte do mundo no escuro passa a iluminar a outra metade, ou as marés, que vazam num lado para encher noutro, este é um ciclo. Não há nada de verdadeiramente novo neste fenómeno.
Notemos, entretanto, que o factor linguístico é um trunfo para os brasileiros em Moçambique e Angola, os países nos quais o Brasil declaradamente se interessa. Resumindo a razão dos investimentos brasileiros, disse o presidente de uma das empresas investidoras em África, a Vale do Rio Doce: "A África é uma das poucas fronteiras naturais ainda abertas para a expansão de negócios em sectores como petróleo, gás e mineração."
É um pensamento que me traz à memória Porfírio Diaz, parafraseado: "Pobre África, tão longe do céu, tão perto dos ricos do mundo!"

P.S. O sistema de controlo do blogger informa que cheguei ao meu post número 600. A informação espanta-me. Seis centenas?!

9/17/2007

Virar o bico ao prego

Lembram-se da máxima humorística que nos diz que "não são as coisas que estão caras; o nosso dinheiro é que é curto"?
Na mesma linha, não é o professor quem chumba os alunos. São os alunos que se reprovam a si próprios (assim, a responsabilidade fica toda do lado dos alunos, mesmo que mais de 50 por cento da turma chumbe.)
Não são os pensionistas do sector privado que estão mal. São os pensionistas do sector público que estão privilegiados (assim, o Estado paga menos).
Não é o correio normal que está lento. É o correio azul que está melhor (e é mais caro para o utente).
Porque será que os alunos de uma escola privada têm que pagar as suas propinas até ao dia 8 de cada mês, tal como os inquilinos devem pagar aos senhorios as suas rendas até essa data, mas as empregadas domésticas só recebem no final do mês?
Neste domínio de virar o bico ao prego, o Horácio Carlos, meu primo por afinidade e cerca de cinco anos mais velho do que eu, foi o máximo. Éramos ambos miúdos. Na rua sossegada de Paço d’Arcos onde morámos durante algum tempo na mesma casa, havia um número considerável de gatos. O Horácio detestava os felinos. Mauzinho, deliciava-se a vê-los fugir desesperadamente quando lhes atirava pedras. Admitamos que isso já não era grande coisa. Mas um dia o Horácio ultrapassou os limites. Subiu ao muro de um gradeamento, agarrou num martelo que tinha trazido de casa e cravou um prego grande e forte, o mais alto que pôde, na parede do prédio. Ao prego atou uma corda. Depois, conseguiu pegar um dos gatos e colocou-o, com alguma ternura, num pilar alto junto ao gradeamento. Passou-lhe em seguida a corda à volta do pescoço. Estava ele neste preparo quando uma vizinha, que observava a cena, lhe perguntou, gritando, O que está o menino a fazer? O mau do Horácio olhou para a vizinha e parou. Largou a corda e marchou dali como se não fosse nada com ele. No dia seguinte, explicou-me, com o ar mais tranquilo do mundo, que ele não matava gatos. Eles é que se suicidavam.

9/14/2007

Erro escolari

Recordo-me que uma vez, tinha eu talvez treze anos, fui chamado pelo professor durante uma aula de Educação Física por ter estendido a mão ao meu colega de lado quando as duas filas em que seguíamos em passo de corrida se separaram. Fiz isso num gesto amistoso e de brincadeira. Fui punido com uma falta disciplinar, que representou um dia em que estive impedido de ir ao liceu. Salvo erro, foi a única vez que fui punido disciplinarmente.
A falta de educação do seleccionador nacional de futebol no jogo da passada quarta-feira constituiu um péssimo exemplo para os jogadores e para a população que o tem acarinhado como a poucos. Agredir um jogador estrangeiro durante um jogo de futebol internacional não tem desculpa. Sabendo-se que muitos dos jogadores nacionais são useiros e vezeiros nas suas faltas, que cara tem este homem para, a partir daqui, se considerar um bom exemplo e se impor ao respeito dos seus jogadores? Acresce que as desculpas que apresentou acabaram por ser esfarrapadas e denunciadoras de uma arrogância que se entende mal num caso destes.
No desporto, o fair-play é tão ou mais importante do que o jogo. O actual protagonista da publicidade à Caixa Geral de Depósitos deveria ser obrigado a fazer as malas e zarpar. Pelo menos da selecção. Ou será que a tão propalada - e criticada - tolerância portuguesa tem que se manter como nossa imagem de marca?

9/12/2007

Música cem por cento excelente?

Quando compramos um CD, fazemo-lo geralmente por causa de duas ou três faixas que, na altura, consideramos excepcionais. Ouvi-las é um deleite. Relativamente às outras faixas, porém, elas interessam-nos pouco ou nada. Não as conhecemos a priori, mas esperamos que pelo menos não nos desagradem.
Digamos que quando apreciamos os nossos primeiros contactos com uma pessoa, estamos a ouvir as faixas que nos são agradáveis ou, mesmo mais do que isso, que adoramos. Passado o primeiro deslumbramento, aguardamos com ansiedade que as restantes partes do disco, que só ouviremos mais tarde, não nos desiludam. Porém, o mais natural é que existam umas tantas musiquinhas que claramente preferiríamos não estivessem lá.
É mais ou menos assim que vemos os outros, e é igualmente assim que os outros nos vêem a nós. É bom que tenhamos consciência de que o CD de nós próprios não é ouvido com agrado por toda a gente. Muitos recusam-se a comprá-lo. Creio que podemos dar-nos por felizes quando somos nós mesmos que notamos isso. Podemos tentar melhorar o arranjo musical de algumas das partes. Discos compactos recheados apenas de músicas boas, cada uma melhor do que a outra, são algo que não existe. Se nos consciencializarmos disso, não é impossível que saibamos viver melhor em sociedade.

9/09/2007

Mil e um casos de português-em-itálico

En passant, deixem-me dizer-vos que o mois d’août foi mais calmo do que o habitual. Com algum spleen à mistura, disfarçado apenas por trabalho q.b. - produto do que chamo "ociofobia" em vez de "workaholismo" - , afastei um eventual stress, embora não me tenha conseguido desligar dos media e das suas notícias sobre os arreliadores aumentos do spread bancário. Ouvi falar das agências de rating a propósito disto e daquilo, e dos problemas que os governos têm com as contas off-shore. Deliciei-me, entretanto, a ler o O’Neill blagueur ("na mediania é que está a sensaboria"), a Isabel Stilwell que nos trouxe uma Filipa de Lencastre com caché e glamour intelectual, os (altos) Gritos contra a indiferença do Fernando Nobre (AMI), e arranjei ainda tempo para reler O que diz Molero, i.e. o top de Dinis Machado.
Além disso, aproveitando aqui e ali o oco das férias, comecei em jeito de puro diletantismo a listar umas tantas palavras - como as usadas acima - que surgem geralmente em itálico, de origem estrangeira, e que não só empregamos em conversas de café como encontramos em artigos e notícias de jornal ou revista, ou ainda em livros e na televisão. A certa altura da minha listagem, que recebeu a colaboração de familiares, comecei a verificar que o número excedia claramente aquele que eu a princípio imaginara. Chegado ao número redondo de 200, disse para mim próprio que mil e um vocábulos proporcionariam um manancial bem mais interessante e significativo como amostra que me permitisse chegar a algumas conclusões. Só que passar de duzentos a mil não se faz com um mero estalido dos dedos! Recuperei a minha própria lista de frases latinas e, aos poucos, vi que conseguia ultrapassar os quinhentos itens. Atingir o milhar acabou por ser uma questão de tempo. Juntei os termos estrangeiros que consegui encontrar - ficaram de fora ainda muitos outros, como seria previsível -, e elaborei uma tabela em Word, que está ao dispor de quem a pretender (basta dizê-lo aqui ou contactar-me no jmolive@netcabo.pt.) Em termos de tamanho, a listagem representa algo entre 40 e 50 páginas. Na maioria dos casos, defini eu próprio os termos, ilustrando com um exemplo sempre que possível. Noutros, recorri a um dicionário da Porto Editora que tinha na casa da Praia.
E já que falo em dicionário, saliento que foi com verdadeiro prazer que encontrei numerosas expressões e vocábulos estrangeiros listados no corpo principal do dito, juntamente com as mais antigas palavras do nosso léxico. Isto significa um reconhecimento do seu uso na linguagem de todos os dias, pelo menos por parte de determinados grupos sociais. Um velho tabu nacional parece-me definitivamente quebrado: o nosso alfabeto já tem 26 letras e não apenas 23, como sucedeu durante décadas e décadas. O k, o w e o y são adoptados como letras usáveis em textos portugueses, muito embora o sejam em termos de origem estrangeira.
Se há línguas que opõem uma enorme barreira à entrada de vocábulos estrangeiros, a língua portuguesa não é certamente uma delas. Por um lado, ainda bem! E qual será o motivo principal que explica a importação de tantos vocábulos? Além de outras razões que este espaço não consente que eu aqui refira, creio que existe uma que é transversal às restantes e se lhes sobrepõe. Chamar-lhe-ei "o princípio da economia", algo que é facilmente explicável. O princípio da economia leva-nos a escolher a forma mais económica de fazermos ou dizermos as coisas. A língua inglesa, da qual temos nas últimas décadas importado um número muitíssimo apreciável de novos termos, é, grosso modo, mais económica do que a portuguesa. Porquê? Porque a sua costela germânica lhe confere um maior poder de síntese. Vejamos um exemplo das centenas que poderiam ser citados. Se estivermos a ler um artigo sobre empresas e nos depararmos com a expressão "a six-woman board", entenderemos facilmente que se trata de um-conselho-de-administração-composto-por-seis-membros,-todos-eles-mulheres. Ao compararmos aquela sintética expressão inglesa com a sua correspondente portuguesa, verificamos que a versão inglesa é muito mais curta. Não quer isto dizer que a adoptemos porque se trata de algo estruturalmente diferente, mas da compreensão deste facto podemos concluir que quando estamos perante uma palavra estrangeira nova e compreendemos sem grande dificuldade o seu significado, inferimos que a nossa tradução, analítica, vai ser mais longa e complexa. Aí, por razões de economia, optamos pelo termo estrangeiro.
Repare-se, por exemplo, que quando dizemos "um after-shave", estamos apenas a dizer "um depois do barbear". Então, e a especificação de que se trata de um creme, de uma loção ou um perfume? Suprimimo-la por razões de economia. Da mesma forma um soutien-gorge ficou reduzido a soutien. Chega. Na mesma ordem de ideias, dizer "um spread" significa sintetizar montes de coisas. Porquê empregar frases longas se uma palavra tão curta exprime aquilo que queremos dizer? Semelhantemente, se stress nos dá a perceber do que se trata e é uma palavra tão pequena, porque não adoptá-la?
Vejamos o caso de outro ângulo. Os portugueses adoram a sua palavra "saudade". Uma das razões por que a reverenciam é pela riqueza de conceitos que ela encerra e pela concisão com que esses mesmos conceitos são expressos. Ora, é este mesmo facto - entre outros motivos - que nos leva frequentemente a escolher termos estrangeiros e a nacionalizá-los depois. É assim que, prosseguindo com um dos exemplos acima, podemos sentir-nos stressados, consideramos stressante um determinado trabalho e vamos para férias para destressar.
Tomemos outro exemplo: street-racing. Em português, street-racing significa corridas-ilegais-de-automóveis-na-via-pública. Se calhar concordamos quase todos que é mais prático empregar street-racing. Porém, é evidente que muitos portugueses ficam de fora deste vocabulário (fosso geracional, por um lado, e fosso educacional, por outro). Não tenho infelizmente possibilidade de analisar o efeito deste dois "fossos" (gaps) no curto espaço de um post, mas o assunto poderá ficar para comentários.
Entretanto, quais são as principais origens dos itálicos portugueses? A maioria dos estrangeirismos da tabela das mil e uma palavras e expressões que sumariamente elaborei provém da língua inglesa, embora não necessariamente de Inglaterra. A seguir vêm os léxicos franceses e depois as expressões latinas. A grande distância, chegam-nos italianos e alemães. As palavras e expressões de origem castelhana no português são relativamente raras.
O latim, que já foi outrora uma língua franca como o inglês é nos dias de hoje, surge em citações de Cícero, Ovídio, Horácio, Júlio César, etc. A área singular mais notada é possivelmente a de Direito.
O francês tem, no que toca a importações pela nossa língua, raízes bem mais antigas que as do inglês. Os seus domínios principais são a moda, a cosmética e a culinária. Está, no entanto, a perder terreno para o inglês. Será interessante pensarmos que o rouge de há anos foi substituído pelo blush de hoje, e que a maquillage está a encontrar um sério rival no make-up. Por outro lado, note-se que na altura em que o desporto do boxe entrou em Portugal, ainda com a França como nossa ama-de-leite, não só o -ing (boxing) do nome original inglês não foi incluído, como o praticante de boxe se chamou boxeur (havia quem lesse bóksiúr). Ora, muito mais recentemente chegou-nos o kickboxing, já com o –ing, sendo o respectivo praticante um kickboxer e já não um kickboxeur. Sinais de mudança...
Por seu lado, o inglês é altamente visível no léxico nacional nas áreas do desporto, da informática, da música moderna, da economia e da finança. E cada vez mais!
Já antecipa, caro leitor, que se quiser enriquecer a listagem acima mencionada com mais uma dúzia de termos ou com correcções, a gerência agradece. Fazemos assim uma espécie de wiki à la diable. Para terminar, aqui vão cerca de cem das mil e uma palavras e expressões que encontrará na tabela, a qual é, of course, mais uma lembrança para os amigos - ad usum amicorum - do que propriamente um estudo científico: software, hardware, back-up, clicar, printar, body-building, baby-sitting, spread, dumping, benchmarking, blue chips, rappel, ranking, rating, time-sharing, leasing, factoring, franchising, merchandising, marketing, p.o.s. (point of sale), plafond, partner, C.E.O., overbooking, outsourcing, players, insider trading, rooming-list, check-list, scorecard, affaire, blague, blagueur, parti-pris, paparazzi, nickname, nouveau riche, lingerie, soutien, collants, boxers, slips, rouge, blush, pourboire, tip, overdose, maquillage, make-up, mutatis mutandis, ad hominem, ridendo castigat mores, quot abundat non nocet, modus operandi, modus faciendi, modus vivendi, à contre-coeur, avant-garde, à la page, up-to-date, state-of-the-art, à vol d’oiseau, avant la lettre, enfant terrible, show-off, malgré tout, um must, naïf, réveillon, rentrée, rendez-vous, surf, kickboxing, doping, anti-doping, health club, hydrobike, step, keeper, off-side, m.v.p., sprint, sprintar, sprinter, slalom, karting, bavaroise, pudim, consommé, raviolli, risotto, évasé, tailleur, chic, ménage à trois, start-ups, reset e bingo!

9/06/2007

Sopa de letras

Em que medida desenha o V o vale que o contém?
Até que ponto está o W na wave inglesa, seja ela hertziana ou líquida de mar?
Como se inscreve o Z no zigue-zague da vida?
E o G na gaguez do indivíduo que é pouco escorreito na sua fala?
E o B que se balbucia a si próprio?
O P que explode?
E o X que se cruza com a mesma naturalidade com que nós cruzamos as pernas?
Se lhes juntarmos um a claro, um e alegre, mais um i sibilino, o o do sol e o lúgubre u, teremos possibilidade de expressar meio mundo. O outro meio fica para as restantes letras, que também são necessárias para a vida. De qualquer forma, mesmo só com este jogo sempre entendemos melhor que Saara, com a sua monotonia de deserto, seja uma palavra que contém três aa, devidamente enquadrados por consoantes suaves a formarem as dunas que quebram a monocórdica planura.

Feitios

Num livrito que uma vez publiquei juntamente com um colega, deixei registado um breve apontamento relativo a uma sensação que experimentei frequentemente como professor. Essa sensação era a de que não podia deixar de considerar estranho que alunas minhas do curso de Secretariado, que faziam ditados nalgumas aulas, vissem apontado não o número de palavras certas, mas sim o número de erros que tinham cometido. Entenderia melhor a situação se uma aluna fizesse 20 ou 30 erros, mas no que toca àquelas estudantes que faziam um ou dois erros num texto de 200 palavras, parecia-me um exagero. Era assim a prática, no entanto. Discuti-a com as alunas que, no entanto, a consideraram tão normal que não viam nenhum mal nisso. Achei-me mais papista que o papa, mas mesmo assim considero que num ditado de 200 palavras seria mais correcto escrever 199/200, do que 1 a vermelho, no canto superior direito.
Isto vem a propósito do jeito que um número muito significativo de pessoas tem de não olhar para o lado positivo que outros já fizeram. Consideram-no normal e "já feito". O trabalho delas é que conta, misturado com uns ais de sofrimento e uma ladainha de esforçados labores narrados depois a amigos. O que os outros fizeram não foi mais do que a sua obrigação.
Essas são também as pessoas que tendem a falar muito de si próprias quando estão com outras. Raramente discutem ideias objectivamente, per se. É geralmente a sua posição face a determinadas coisas, num estilo de "adoro" ou "detesto". Tudo acaba por ser, afinal, uma outra maneira de falarem de si próprias. Se têm histórias interessantes para contar, ainda vale. Se não, é melhor desligarmos.
Valorizar os lados positivos dos outros é importante. Assim como ouvir mais do que falar, na linha daquele velho ditado grego que nos diz que Deus nos deu duas orelhas e só uma boca para que falemos apenas metade do que ouvimos.

9/04/2007

Beach-sharing


Sete e meia de uma manhã de sonho. A praia está ainda deserta de veraneantes. Estamos nos dias finais de Agosto. Não corre qualquer brisa. A maré apresenta-se totalmente vazia, ofertando um vasto pedaço de areal que só as gaivotas aproveitam. Elas são as herdeiras e desfrutadoras naturais de toda esta quietude. Enquanto não chegam alguns madrugadores para o seu exercício físico de caminhar na areia húmida, as gaivotas podem estar descansadas. No bando, que diviso perfeitamente da minha varanda, não noto a existência de qualquer João Capelo rebelde que abandone o grupo e voe para outras paragens. Esse rebelde estaria possivelmente condenado ao sofrimento, rejeitado que seria por outros bandos. É unidas que as gaivotas vivem melhor. Ao entardecer, sensivelmente à hora a que o sol se põe, voarão para o seu local de descanso nocturno. Voarão igualmente em bando, todas na mesma direcção, mas dividir-se-ão em pequenos grupos de três ou quatro, com segundos de intervalo umas das outras. Lá longe, juntar-se-ão algures, junto a rochedos mais abrigados.
Por ora, estão a gozar os raios deste sol que ainda não aquece verdadeiramente e lhes permite serem as rainhas e os reis do areal.
Cá em cima na arriba começam a fazer-se ouvir os almeidas da Câmara. Vêm fazer a recolha de algum lixo que não foi colocado em contentores. Passam os primeiros carros a acelerar. Contrastam fortemente com a serenidade patenteada pelas gaivotas lá em baixo, junto ao mar. As aves revelam um elevado sentido de timing e bom senso no aproveitamento do que a natureza lhes oferece. O mar está calmíssimo, fera amansada que atira, na sua orla final, uma ligeira fímbria de espuma sobre o areal. Alguém terá andado durante a noite a passá-lo a ferro, como aqui se diz.
Por baixo da minha janela passa o primeiro transeunte. Contempla o mar à medida que anda. Traz na mão direita um saco de plástico com o pão ainda quente que a padaria acabou de lhe vender.
A senhora que o ano passado passeava aqui o seu bebé no carrinho, mesmo à beira de água, e que eu acabei por colocar no blog como foto de postal de férias, já estará hoje provavelmente a dar-lhe uma papa lá em casa.
São já oito e trinta. Esta praia imensa continua desaproveitada pelos homens. Está um dia de eleição, talvez o melhor do mês. Entretanto, diviso para norte, junto a uns rochedos que agora são acessíveis, pescadores a tentar apanhar polvos. O bando de gaivotas mantém-se bem no centro da praia, naquele que é geralmente o local de banhos. Começa, no entanto, a denotar alguma inquietação. Uma ou outra gaivota ensaia um voo, volteja por breves instantes e volta a poisar no seu local.
Passam mais pessoas por baixo da minha janela. Homens de idade. São geralmente os idosos os que se levantam mais cedo. Estão mais próximos da natureza, eles que se sentem condicionados pelo frio, o sol e a humidade excessiva. Com a idade voltamos todos a uma ligação mais íntima com a natureza, algo que tínhamos perdido na primeira infância. Deitar com as galinhas, levantar com os galos passa a ser o lema.
Aqui por baixo surgem dois cães. Farejam coelhos eventualmente escondidos nas arribas, junto aos chorões. Nada encontram. Acabam por fazer apenas as suas necessidades, os dois simultaneamente. Não ladram nem fazem qualquer barulho. Também não serão eles a quebrar a quietude do início da manhã.

Pronto! Surgiu a primeira banhista. Uma senhora mais ou menos adiposa, de fato de banho preto, procura perder peso através do seu passeio matinal. Dirige-se para a beira de água. Certamente não para afugentar as gaivotas, apenas para sentir na planta dos pés o fresco da água do mar. As aves começam a agitar as asas. Duas delas lançam-se para o ar, no que são seguidas a espaços pelas restantes. Certas de que dali não lhes vem perigo, dão uma volta e poisam de novo, um pouco mais longe. Surgem, porém, mais pessoas. A situação torna-se insustentável. O bando levanta voo, desta vez mais alto, e desaparece nos ares, direcção ao sul.