9/24/2007

Distribuição

Noticia a imprensa que quando um consumidor compra um quilo de pêra rocha ou de maçãs produzidas em Portugal, só um terço do valor pago pelo comprador reverte para o produtor. O resto fica, bem entendido, no sistema de distribuição.
Há anos que este facto é noticiado. Há anos que tudo permanece na mesma. É mau que assim seja. Ponhamo-nos no papel do produtor que, como é regra no ser humano, tem um apurado sentido de justiça. Ao ver que a população se queixa do preço da fruta e que ele se queixa dos seus fracos réditos, pensará normalmente que não vale a pena. Quando a fiscalidade de um país consente que as mais-valias vão prioritariamente para quem não produz e deixa com problemas financeiros aqueles que produzem – problemas financeiros agravados sempre que há calamidades atmosféricas -, pode pedir-se alguma motivação real a um produtor? Numa primeira oportunidade, se o dinheiro sonante vier a jeito, vende a sua propriedade principal a alguém que nela construirá uma casa, possivelmente com piscina, e deixará algum terreno para uma pequena horta ou árvores de fruto. O solo deixará de ter a mesma finalidade, como é óbvio. Multiplicado por variadíssimos casos deste tipo, o produto agrícola nacional não aumenta. Pelo contrário. O antigo agricultor irá passar uns dias a casa da filha nos arrabaldes do Porto, Viseu ou Lisboa, e nos outros continuará na sua terra, mas já sem produzir mais do que para seu próprio sustento.
A noção de que uns são escravos dos outros está enraizada em muita mentalidade portuguesa, certamente como resquício da colonização de séculos, alimentada pelo Estado e pela Igreja. O Estado, como gestor, tem largas culpas no cartório. Devido à adesão à União Europeia, é verdade que hoje o grande instrumento que lhe resta é o da fiscalidade. Mas será que o usa bem? Com toda a evidência, favorece os ricos, apenas tolera os restantes. Pode dizer-se que não é assim, mas os argumentos caem necessariamente por terra quando se olha para o sempre crescente fosso entre os mais necessitados e as elites, que as estatísticas comprovam. Enquanto a situação se mantiver assim - e a culpa não é de assacar apenas a este ou àquele governo, mas sim a todos os que não tentam efectuar a mudança -, Portugal continuará a afastar-se da Europa orgulhosa, motivada para produzir. Viver da reforma através da segurança social continuará a ser o objectivo número um de grande parte da população. Afinal, talvez esta não seja uma mera questão de distribuição de rendimentos relativa a maçãs e a pêra rocha.

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