10/19/2007

Catalina, Rodrigues dos Santos et al.

Assistimos de vez em quando a revelações públicas que, submersas por outras notícias entretanto vindas a lume, acabam por desaparecer na (de)voragem do tempo. Ultimamente, sucederam três casos: o de Catalina Pestana sobre a Casa Pia, o do conhecido locutor Rodrigues dos Santos sobre a administração da RTP e um outro em que o líder do PS-Madeira fala de promiscuidade entre magistrados e o poder político regional, tendo sido entregue pelo PS um dossier ao Procurador-Geral da República. Estes são assuntos que nos fazem pensar em (aparentes) verdades simples de resolução complexa. E porquê de resolução complexa? Porque o mal está profundamente enraizado e propagou-se a um número muito grande de "plantas".
Os que se manifestaram até agora - e isso não quer dizer que os que não se manifestaram sejam menos numerosos - foram bastante contra Catalina por não ter prestado anteriormente as suas informações, mostraram-se geralmente a favor de Rodrigues dos Santos e, quanto ao caso da Madeira, encolheram os ombros porque "isso é música consabida".
O que os três casos têm em comum é a luta entre uma alegada verdade dos factos feita por figuras de 2º plano e a resistência de poderes fortes a revelações deste tipo. Popularmente, fala-se da panela de barro, que pode ter razão, mas perde sempre na sua luta contra a panela de ferro - por razões óbvias de superioridade do ferro sobre o barro.
Catalina Pestana é acusada de só ter dado esta informação depois de ter deixado o seu lugar. Que admiração é essa? Quantas pessoas não são cilindradas exactamente por denunciarem algo inconveniente? Quantos mensageiros de más notícias não são trucidados pela máquina que lhes está por cima? Essas pessoas são sempre panelas de barro. A vantagem dos poderes fortes consiste precisamente nas benesses que distribuem e nos conluios que estabelecem, os quais acabam por amarrar indivíduos em princípio honestos mas que, pressionados a determinada altura para, por exemplo, passarem uma factura falsa sob pena de perderem o lugar ou de nunca serem promovidos, acabam por fazê-lo. Julgam-se custodiados pelos que lhes estão acima, mas esses deixam-nos frequentemente cair depois de estarem servidos. Mais: em tribunal, acusam-nos de falsear a verdade se eles, pressionados por um juiz, ousam contá-la.
Tal como tanta gente em tanto sítio, Catalina Pestana soube defender-se. A verdade que a atormentava atirou-a cá para fora, mas na altura em que já não lhe podiam mover um processo disciplinar. Um processo disciplinar poderia acarretar-lhe problemas imensos e arrastar-se por anos e anos. Assim, acabou por fazer aquilo que o sistema e o seu bom-senso a obrigaram a fazer. Não houve uma outra senhora antes dela, salvo erro de apelido Macedo, que fez algo semelhante?
Quanto a Rodrigues dos Santos, ele terá feito um jogo mais perigoso, possivelmente mal medido pelo próprio. A opinião pública pode estar a favor dele. Só quem nunca trabalhou em lugares de responsabilidade em empresas é que pode acreditar que não há pressões por parte de uma direcção ou administração. Se fossem totalmente legais, essas pressões assumiriam a forma escrita; como o não são e ocultam uma verdade que não se quer revelada, elas não passam por prova documental. São feitas durante conversas, eventualmente no decorrer de um telefonema interno - pelas mesmíssimas razões que levam determinados pagamentos a serem feitos em notas de banco e não por cheque.
Nesta luta entre Rodrigues dos Santos e a administração da RTP, não vai, portanto, ser fácil ao acusador provar as suas acusações. Talvez uma apenas: a de um concurso, relativamente ao qual haverá de facto provas documentais. Mais por isso, e porque o caso representa para ele uma pedra no sapato, ele tê-lo-á levantado. E aqui põe-se a questão: será que ele quer ganhar a guerra da corrupção em Portugal? Veja-se o que sucedeu ao projecto do Cravinho na Assembleia. Certamente que não será ingénuo a esse ponto. Se não se retratar publicamente e disser que afinal foi mal interpretado, o mínimo que lhe pode suceder é arrastar-se durante alguns anos na empresa, já sob outra administração, e ocupar lugares de importância relativamente subalterna. Como sabemos, não basta ter a verdade. Só nos filmes de Frank Capra, com o velho Jimmy Stewart, é que o barro ganhava ao ferro.
No caso da alegada promiscuidade madeirense, com as cedências de toda a ordem que ocorreram no passado dos Governos ao actual Presidente da Região Autónoma, existem centenas de telhas de vidro por parte de personalidades e de partidos. O que se espera? Inevitavelmente, teremos proclamações de existência de normalidade total num assunto que é politicamente muito complicado.
Com isto, não pretendo dizer que não se deve fazer o que Catalina, Rodrigues dos Santos e o líder do PS-Madeira fizeram. Que outros resultados não brotassem dos seus actos, estes já valeriam a pena pelo acordar das consciências de muitos que andam a dormir. Além disso, assim consegue-se entrever melhor a importância da existência de um verdadeiro estado de direito em Portugal. É sempre altura de dizer "basta!".

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