10/01/2007

Imperdível

Este "imperdível", a melhor tradução que conheço para "um must," refere-se às páginas 18 e 19 do Público de hoje, sob o título "Conversas privadas antes da guerra". Muitos de nós já assistimos a manobras de bastidores. Diferente é ter participado nelas. Recordo-me, na minha experiência pessoal, de ter presenciado ou sabido de combinações entre colegas numa instituição de ensino superior, quer para colocar em órgãos de gestão quem eles queriam - lançando simultaneamente alguns boatos sobre os concorrentes -, ou na manipulação de transcrições de cassetes com sessões gravadas, de forma a comprometer alguém considerado persona non grata. Essas coisas fazem-se... São faits divers muito feios, mas mesmo assim faits divers num mundo onde outras coisas muito mais sérias se resolvem de maneira semelhante.
O que o Público transcreve - e honra seja feita ao seu director claramente pró-americano ao aprovar a transcrição - é a acta de uma sessão privada entre Bush e o espanhol Aznar, um mês antes da invasão do Iraque. A chantagem de caça ao voto exercida pelos EUA sobre Angola e sobre o Chile na ONU devido a "favores" dos EUA para com esses países mostra, mais uma vez, que não há jantares grátis.
Na conversa, nota-se uma certa hesitação e receio por parte de Aznar: "O que estamos a fazer é uma mudança muito profunda para Espanha e para os espanhóis. Estamos a mudar as políticas que o país tem seguido nos últimos 200 anos." Quando Aznar pergunta a Bush se é possível o exílio de Saddam, Bush confirma, e adianta que "até pode ser assassinado". A uma nova questão de Aznar se o exílio de Saddam teria alguma garantia, Bush contrapõe com um brutal "Nenhuma garantia. É um ladrão, um criminoso de guerra. Comparado com Saddam, Milosevic seria uma Madre Teresa." E quando Aznar se mostra preocupado com o optimismo manifestado por Bush, este afirma: "Estou optimista porque acredito que estou certo. Coube-nos fazer frente a uma séria ameaça contra a paz. Irrita-me muitíssimo ver a insensibilidade dos europeus face ao sofrimento que Saddam Hussein inflige aos muçulmanos." Depois, conclui "Quanto mais os europeus me atacam, mais forte eu fico nos Estados Unidos."
Há mais, bastante mais, numa acta que, obviamente, não se destinava a ser publicada. Talvez só daqui a uns cinquenta anos. Está no jornal de hoje.

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