Há muitos anos já, fui um dia dar uma vista de olhos à Península da Arrábida e parei no Cabo Espichel. Sobre as rochas estavam estendidos vastos lençóis de algas, retiradas do mar ali perto. Depois de convenientemente secas, as algas seriam vendidas a uma de duas fábricas japonesas que existiam na zona, as quais procediam à sua transformação em vários produtos de elevado valor acrescentado. Um pescador que ocasionalmente serviu de meu informador contou-me que naquela altura não estava a ir ao mar porque o negócio da apanha das algas lhe era muito mais rentável. "A sardinha", disse-me ele, "desapareceu destas bandas." Alguém que ouviu parte da conversa veio confirmar-me que a sardinha tinha de facto desaparecido e ido para outros lados. "Sabe, a sardinha vinha aqui alimentar-se de peixinhos pequeninos, que por sua vez se alimentavam de algas. Como as algas estão a ir à vida em grandes quantidades, já não temos aqui esses peixinhos e, por seu lado, as sardinhas não vêm também. Elas não vinham cá fazer turismo. Desapareceu-lhes a motivação que as trazia aqui ao Cabo e, portanto, zarparam para outras paragens."
É. Tudo depende de tudo. As coisas estas encadeadas umas nas outras. Às vezes uma determinada acção ou medida pode transformar radicalmente as coisas. A história da sardinha, igual a tantas outras, ocorreu-me a propósito do que está presentemente a acontecer na sociedade chinesa. Em 1979, com a finalidade de suster o desenvolvimento incontrolado da sua população, o governo chinês decretou a política de um casal = um filho. Agora em 2008, cerca de trinta anos depois, as consequências dessa medida - muitas delas imprevistas - são bem visíveis, e de tal forma que, pouco a pouco, se tem verificado uma maior abertura por parte das autoridades chinesas. Recordo-me bem que, oito ou nove anos depois da implantação dessa política, os professores das escolas primárias oficiais começaram a queixar-se do "síndroma do pequeno imperador", tema que aliás cheguei a debater em aulas com alunas minhas. Em resumo, sucedia que se tinha passado da família chinesa numerosa, em que uns miúdos tratavam dos outros, para a existência de apenas uma criança na casa. Esta era, ainda por cima, geralmente um rapaz, já que muitas bebés tinham sido abortadas devido à preferência dos casais por rapazes. Os professores da escola primária queixavam-se de maior insubordinação nas suas aulas, de lutas entre os pequenos imperadores. A obediência tradicional das crianças estava a desaparecer. Havia ali uma mudança substancial.
Anos mais tarde, o exército notou a mesma coisa. A cega obediência que era apanágio das tropas chinesas estava a dar lugar a uma certa insubordinação, que as forças armadas não toleram nada bem.
Hoje em dia, o problema é outro: quem cuida dos pais que começam a ficar velhotes? Como a China não possui sistema de segurança social capaz de responder a tanta gente, o problema agudiza-se. Os filhos estão a negligenciar a tradição milenária de amparar os seus pais devidamente. A nova vida que levam, mais urbana que rural, não lhes permite dispensar os mesmos cuidados. Estes, diga-se, ficavam na maior parte dos casos a cargo das filhas: as mulheres têm outra forma, mais desvelada, de cuidar quer das crianças, quer dos idosos. Neste sentido, é curioso ver que um inquérito recentemente realizado em Pequim já fez ressaltar, pela primeira vez, que os casais estão a mostrar uma ligeira preferência por filhas relativamente a filhos. Colocar os pais num lar hoje em dia ainda representa uma situação ignominiosa para uma família chinesa, mas é de crer que a antiquíssima tradição de os mais novos cuidarem dos mais velhos venha gradualmente a cair. Entretanto, renasceu parcialmente o costume feudal de adoptar filhos adultos - mulheres, como é evidente.
Algo curioso também é o facto de muitos casais preferirem hoje, em resultado do aumento do custo de vida e urbanização da China, terem apenas um filho, sendo que um número considerável (25 por cento dos inquiridos) preferiria até não ter qualquer filho a fim de poder juntar mais dinheiro: é, no fundo, o conhecido estilo DINK americano: double income, no kids.
Muito mais haveria a dizer sobre o assunto, mas o que importa reter é o efeito dominó-espiral de determinadas medidas. Quer se trate de sardinhas, de pessoas, de veículos motorizados ou de produtos alimentares, há certas políticas que têm de ser muito bem sopesadas antes de ser implementadas. (Por que é que havia de me lembrar agora da medida tomada há uns anos atrás por alguns países, com grande relevo para os Estados Unidos, de invadirem o Iraque?)
3/29/2008
3/27/2008
Europa em revolta contra o hipercapitalismo
O penúltimo número da revista Newsweek inclui um artigo interessante, que não vi transcrito ou resumido nos media portugueses. Tudo começou há dois anos, quando os serviços secretos alemães conseguiram subornar um funcionário de uma importante instituição bancária do Liechstenstein. Ofereceram-lhe uma quantia considerável (4,2 milhões de euros) e um novo nome e passaporte em troca de um CD cujo conteúdo consistia nos nomes, contas e correspondência financeira de 1400 abastados clientes estrangeiros. Há três semanas, investigadores alemães efectuaram 120 visitas-busca baseadas na informação recolhida, tendo obtido confissões que prefiguram um total de 29 milhões de euros em impostos recuperados - estando estes números em crescendo a cada dia que passa. As pessoas que foram alvo das buscas incluem figuras bem conhecidas, como o Administrador-Geral dos Correios, Klaus Zumwinkel.
Por seu lado, as autoridades do fisco da Finlândia e da Noruega encontram-se presentemente a dar caça aos nacionais dos seus respectivos países cujos nomes constam igualmente do CD. Mais de uma dúzia de outros estados, v.g. França, Grã-Bretanha e EUA, iniciaram as suas próprias investigações.
A celeuma e as manifestações que este caso já provocou não são coisa de pouca monta, a julgar pelos meios de comunicação social. A revista Stern titulava a sua capa da semana passada "Elites sem moral - como os ricos estão a minar a nossa sociedade". A Manager Magazine inquiria: "Está o supercapitalismo a destruir a democracia?" "Evasor Fiscal Inimigo do Estado", proclamava a revista Spiegel, exibindo a foto de mais um administrador de uma empresa de topo.
É, aliás, na Alemanha, que a luta anti-capitalista está a ganhar mais força. "Este problema de fuga aos impostos só vem reforçar a ideia que os alemães têm profundamente enraizada de que os ricos só o são por explorarem os pobres", escreve um analista político. As consequências deste facto invadem, como seria previsível, o campo político. No penúltimo domingo, em eleições regionais, Hamburgo tornou-se o terceiro estado alemão em outras tantas semanas a destronar uma governação conservadora e a eleger um partido radical de esquerda, ex-comunista - e Hamburgo é um estado que está em franco desenvolvimento e onde a taxa de criminalidade é baixa.
Em França, é notório o facto de Jérôme Kerviel, o homem que custou quase 5 biliões de euros à instituição financeira Société Générale no passado mês de Janeiro, ser visto por muitos não como um criminoso, mas sim como uma vítima do hipercapitalismo. Em Inglaterra, é pelo menos interessante notar que o recente livro do correspondente de economia da BBC, Robert Peston, Who Runs Britain? How the Super-Rich Are Changing Our Lives está rapidamente a tornar-se um best-seller.
Na medida em que tem como pano de fundo a era da globalização, uma inflação crescente, taxas de desemprego elevadas em determinados países e um sério abrandamento da economia dos Estados Unidos, creio que um assunto desta ordem deve merecer a nossa atenção.
Por seu lado, as autoridades do fisco da Finlândia e da Noruega encontram-se presentemente a dar caça aos nacionais dos seus respectivos países cujos nomes constam igualmente do CD. Mais de uma dúzia de outros estados, v.g. França, Grã-Bretanha e EUA, iniciaram as suas próprias investigações.
A celeuma e as manifestações que este caso já provocou não são coisa de pouca monta, a julgar pelos meios de comunicação social. A revista Stern titulava a sua capa da semana passada "Elites sem moral - como os ricos estão a minar a nossa sociedade". A Manager Magazine inquiria: "Está o supercapitalismo a destruir a democracia?" "Evasor Fiscal Inimigo do Estado", proclamava a revista Spiegel, exibindo a foto de mais um administrador de uma empresa de topo.
É, aliás, na Alemanha, que a luta anti-capitalista está a ganhar mais força. "Este problema de fuga aos impostos só vem reforçar a ideia que os alemães têm profundamente enraizada de que os ricos só o são por explorarem os pobres", escreve um analista político. As consequências deste facto invadem, como seria previsível, o campo político. No penúltimo domingo, em eleições regionais, Hamburgo tornou-se o terceiro estado alemão em outras tantas semanas a destronar uma governação conservadora e a eleger um partido radical de esquerda, ex-comunista - e Hamburgo é um estado que está em franco desenvolvimento e onde a taxa de criminalidade é baixa.
Em França, é notório o facto de Jérôme Kerviel, o homem que custou quase 5 biliões de euros à instituição financeira Société Générale no passado mês de Janeiro, ser visto por muitos não como um criminoso, mas sim como uma vítima do hipercapitalismo. Em Inglaterra, é pelo menos interessante notar que o recente livro do correspondente de economia da BBC, Robert Peston, Who Runs Britain? How the Super-Rich Are Changing Our Lives está rapidamente a tornar-se um best-seller.
Na medida em que tem como pano de fundo a era da globalização, uma inflação crescente, taxas de desemprego elevadas em determinados países e um sério abrandamento da economia dos Estados Unidos, creio que um assunto desta ordem deve merecer a nossa atenção.
3/24/2008
Pior do que o fisco: aqui é a dobrar!
No newspeak que, através de eufemismos, procura proteger as pessoas e classes mais desfavorecidas, surgiu há anos o "gestor de espaços públicos", abreviadamente GEP. O gestor de espaços públicos exclui o mundo rural e inclui na sua actividade apenas o espaço citadino. É ele - e digo "ele" por que até hoje nunca encontrei mulheres a desempenhar este papel - que nos locais de maior movimento das cidades se assenhoreia de qualquer espaço da via pública para indicar a automobilistas que tentam estacionar a sua viatura qual o melhor lugar para o fazer. É uma missão perfeitamente inútil, pois condutores invisuais é coisa que não existe. Mas já se sabe que, em numerosos locais, quando alguém está a manobrar para estacionar o carro vai receber a visita de um GEP que, através de gestos tão conspícuos quanto de vã utilidade, lhe diz, como se estivesse a falar para um aprendiz de carta de condução, que deve virar o volante para a esquerda ou para a direita. Esta será, no entanto, a sua justificação principal para colectar o indivíduo parqueante com "uma moedinha". O típico GEP resmunga a tudo o que seja menos de 50 cêntimos e o seu vício de droga aumenta em espiral quando o cliente, à falta de trocos, lhe passa um euro para a mão.
A EMEL, empresa municipal zeladora dos estacionamentos em Lisboa, não é menos arguta do que os arrumadores em matéria de locais que precisam de ordenamento do território urbano. Daí que tenha colocado parquímetros nessas mesmas ruas e avenidas. Em princípio, a medida deveria ter condenado os GEP. Pelo contrário, beneficiou-os! Há montes de parquímetros que os GEP avariam, não para que eles não funcionem, mas ao procurar sacar antes dos funcionários da EMEL as moedas que lá caíram. As fotos acima mostram um GEP nessa árdua missão. Inadvertidos, muitos automobilistas continuam a colocar as suas moedas em parquímetros avariados, receosos de uma multa. Nunca serão os GEP que estão nas proximidades a avisá-los da avaria. De olho no seu Multibanco, aguardam por uma hora conveniente para explorarem a segunda componente do filão: já colheram a sua parte da "descoberta" do espaço vago, agora vão ocupar-se da outra parte do seu rendimento.
Foi o Padre António Vieira que nos deixou um curioso provérbio do seu tempo na interessante obra "Arte de Furtar", dedicada a Sua Majestade o rei D. João IV, o único incorrupto do reino segundo o autor: "Com arte e com engano, vivo uma parte do ano; com engano e com arte, vivo a outra parte." Coisas do século XVII.
3/22/2008
Mil e uma causas
"Um vídeo como este vale mais do que mil palavras." É possível. Mas o que é garantido é que a sua passagem pela televisão originou já não mil, mas mais de um milhão de palavras, quer escritas, quer apenas ditas oralmente. O vídeo realizado com o telemóvel por um aluno de uma escola do Porto mostrando o incumprimento por uma aluna do 9º Ano de uma ordem dada pela professora e a reacção subsequente foi algo que deu que falar. Como não podia deixar de ser, voltou à baila o tema da indisciplina, a que, à falta de outra palavra mais suave, se chamou "violência nas escolas". Como é habitual nestes casos, procurou-se linearmente uma causa. Os pais, tout court, foram os mais acusados. Não é impossível, porém, que os pais da aluna em questão tenham, eles próprios, condenado a acção da filha. Mas também é possível que a tenham defendido.
Menos especificadamente, foram mencionados outros factores que podem ter levado ao acto de desobediência e indisciplina, nomeadamente a permissividade social existente. Em princípio, não excluo nenhum factor nem a combinação de vários. Permito-me, no entanto, realçar o aviltamento que se regista no status do professor. Já no final de 2004, aquando de uma acção voluntária de formação de professores que fiz numa escola de ensino básico, correspondi a um pedido de entrevista. Permito-me transcrever um excerto do jornal em que a entrevista foi publicada: "A propósito das dificuldades actualmente sentidas pelos professores, creio que a maior de todas reside no seu status. A autoridade está, de uma maneira geral, em declínio. Muitos docentes não usufruem do respeito que merecem. Na sociedade, existe uma atmosfera populista. Mesmo sem querer, o professor envereda frequentemente pelo facilitismo a fim de não se tornar impopular junto dos seus alunos. E também por outros motivos. Quando tal acontece, a sociedade ressente-se e o status do professor também. É fundamental que o aluno sinta admiração pelo professor. De outra forma, não se sentirá motivado."
A cena da Carolina Michaelis fez-me lembrar este passo. O continuado facilitismo imposto pelo Ministério desprestigiou os professores, fazendo-os executantes da sua política, por um lado, e seus escudos, por outro. Contaram-me vários professores que se viram obrigados, por assim dizer, a dar nota de passagem a alunos que em rigor não a mereciam. Este é um facto que sem dúvida desprestigia qualquer docente e cria um precedente grande que no ano seguinte provavelmente se repetirá. Quando o aluno sabe que não é 100 por cento o critério daquele professor que tem à sua frente que conta para a sua passagem não o respeita da mesma forma que outrora sucedia. Obviamente! Desse abaixamento de status se ressente depois todo o edifício. Já que não há provas de exame verdadeiramente a não ser no 12º Ano...
O que sucedeu numa escola do Porto poderia acontecer noutra instituição qualquer e com outro docente. Se os professores e alguns pais têm eventualmente alguma responsabilidade, os vários gestores do Ministério da Educação das últimas décadas têm ainda mais. (E quanto ao comportamento dos colegas de turma, todos sabemos que individualmente somos uma coisa e, colectivamente, outra.)
Menos especificadamente, foram mencionados outros factores que podem ter levado ao acto de desobediência e indisciplina, nomeadamente a permissividade social existente. Em princípio, não excluo nenhum factor nem a combinação de vários. Permito-me, no entanto, realçar o aviltamento que se regista no status do professor. Já no final de 2004, aquando de uma acção voluntária de formação de professores que fiz numa escola de ensino básico, correspondi a um pedido de entrevista. Permito-me transcrever um excerto do jornal em que a entrevista foi publicada: "A propósito das dificuldades actualmente sentidas pelos professores, creio que a maior de todas reside no seu status. A autoridade está, de uma maneira geral, em declínio. Muitos docentes não usufruem do respeito que merecem. Na sociedade, existe uma atmosfera populista. Mesmo sem querer, o professor envereda frequentemente pelo facilitismo a fim de não se tornar impopular junto dos seus alunos. E também por outros motivos. Quando tal acontece, a sociedade ressente-se e o status do professor também. É fundamental que o aluno sinta admiração pelo professor. De outra forma, não se sentirá motivado."
A cena da Carolina Michaelis fez-me lembrar este passo. O continuado facilitismo imposto pelo Ministério desprestigiou os professores, fazendo-os executantes da sua política, por um lado, e seus escudos, por outro. Contaram-me vários professores que se viram obrigados, por assim dizer, a dar nota de passagem a alunos que em rigor não a mereciam. Este é um facto que sem dúvida desprestigia qualquer docente e cria um precedente grande que no ano seguinte provavelmente se repetirá. Quando o aluno sabe que não é 100 por cento o critério daquele professor que tem à sua frente que conta para a sua passagem não o respeita da mesma forma que outrora sucedia. Obviamente! Desse abaixamento de status se ressente depois todo o edifício. Já que não há provas de exame verdadeiramente a não ser no 12º Ano...
O que sucedeu numa escola do Porto poderia acontecer noutra instituição qualquer e com outro docente. Se os professores e alguns pais têm eventualmente alguma responsabilidade, os vários gestores do Ministério da Educação das últimas décadas têm ainda mais. (E quanto ao comportamento dos colegas de turma, todos sabemos que individualmente somos uma coisa e, colectivamente, outra.)
As linhas do futebol e a liderança
Todos os que gostam de futebol sabem que uma equipa é tanto melhor quanto mais habilidosos os seus jogadores forem e mais entreajuda prestarem uns aos outros. Se nos concentrarmos na questão da entreajuda, verificaremos que a formação de linhas, que avançam ou recuam em sintonia, constitui a melhor garantia para uma situação de ataque ou de defesa perante um adversário que teoricamente possui armas idênticas. De onde vem a necessidade dessas linhas? Do facto de ser crucial que não se criem grandes vazios entre os jogadores da equipa, pois será aproveitando esses eventuais vazios que a equipa adversária poderá chegar ao seu objectivo - o golo - e consequentemente causar a nossa derrota. Na não-existência de grande distanciamento entre os jogadores de uma mesma equipa e na sua coordenação uns com os outros reside, portanto, uma das chaves do sucesso de uma equipa vitoriosa. Como é evidente, este é um sistema que exige um grande esforço de todos, pois avançar e recuar durante noventa minutos num campo que tem cerca de 110 metros de comprimento por 75 de largura não é tarefa fácil. Daí que seja essencial, a par dos factores atrás mencionados, uma óptima condição física dos jogadores. Sem ela, tudo se poderá perder. Um outro elemento fundamental para a coesão e sucesso do onze é a amizade entre os jogadores, i.e. o espírito de equipa. Sem ele, nada se faz concretamente. Pelo contrário, sobressairão as rivalidades individuais. As entreajudas não funcionarão convenientemente.
Onde é que este arrazoado se pode aplicar à liderança, concretamente num estabelecimento de ensino? Em múltiplos aspectos, de facto. Em primeiro lugar, uma escola tem também um objectivo, que não se chama golo, mas que se traduz em eficácia. Na escola existem também várias linhas. A direcção e os restantes órgãos de gestão constituem uma das linhas principais, os docentes formam outra e os funcionários uma terceira. Todos pertencem à mesma equipa e não jogarão bem se jogarem desgarrados. Daqui se infere que uma liderança bem conduzida implica uma boa definição dos objectivos principais e da estratégia a seguir para os alcançar, subentende boa comunicação entre as várias linhas e uma aprovação das linhas gerais de orientação por todos. Embora reconhecendo que cada um é o maior responsável pelos seus actos, a liderança tem de possuir e desenvolver instrumentos de controlo para colher informação atempadamente útil sobre o andamento da actividade. É aí que a avaliação da escola, o que inclui os professores e todos os outros intervenientes, incluindo a própria Direcção, constitui uma peça importante na eficácia a atingir. Se as linhas estiverem coesas, se houver vontade de trabalhar e real espírito de equipa, os resultados da avaliação só podem ser bons. Caso contrário…
Onde é que este arrazoado se pode aplicar à liderança, concretamente num estabelecimento de ensino? Em múltiplos aspectos, de facto. Em primeiro lugar, uma escola tem também um objectivo, que não se chama golo, mas que se traduz em eficácia. Na escola existem também várias linhas. A direcção e os restantes órgãos de gestão constituem uma das linhas principais, os docentes formam outra e os funcionários uma terceira. Todos pertencem à mesma equipa e não jogarão bem se jogarem desgarrados. Daqui se infere que uma liderança bem conduzida implica uma boa definição dos objectivos principais e da estratégia a seguir para os alcançar, subentende boa comunicação entre as várias linhas e uma aprovação das linhas gerais de orientação por todos. Embora reconhecendo que cada um é o maior responsável pelos seus actos, a liderança tem de possuir e desenvolver instrumentos de controlo para colher informação atempadamente útil sobre o andamento da actividade. É aí que a avaliação da escola, o que inclui os professores e todos os outros intervenientes, incluindo a própria Direcção, constitui uma peça importante na eficácia a atingir. Se as linhas estiverem coesas, se houver vontade de trabalhar e real espírito de equipa, os resultados da avaliação só podem ser bons. Caso contrário…
3/20/2008
Concorrência
O que se previa vai mesmo acontecer: Abel Mateus e a sua equipa directiva não vão ver renovado o seu mandato à frente da Autoridade da Concorrência. Era algo que se previa em face dos vários grupos de pressão que se têm manifestado perante a forma como aquela equipa tem exercido a sua acção. Num país em que as grandes empresas estiveram durante décadas habituadas a manejar os cordelinhos a seu bel-prazer, desgosta-lhes que alguém lhes faça frente e imponha condições. Que outra coisa se poderia esperar num país que não tem a democracia como sua cultura de base?
3/18/2008
Os ficheiros da PIDE
Com um artigo interessante, o jornal Público voltou ontem ao tema dos ficheiros da PIDE existentes na Torre do Tombo. Referiu-se ao que pessoas sentiram quando compreenderam que a sua vida tinha sido devassada pela polícia política: cartas interceptadas, conversas narradas por informadores, fotografias eventualmente comprometedoras, tudo que poderia ser usado contra uma pessoa apanhada pelas garras da polícia.
Foi em Outubro de 1998 que tive acesso aos meus documentos-PIDE, depois de ter pedido a sua consulta em Fevereiro. Desconhecia em absoluto se teria lá alguma coisa. Os meses que medearam entre o meu pedido e a leitura dos documentos que me foram facilitados ficaram a dever-se à necessidade de expurgar as minhas (e muitas outras) fichas de informações e denúncias assinadas por pessoas ainda vivas, o que a lei (correctamente) não permite. No gabinete de expurgo trabalham apenas três pessoas para fazerem todo o trabalho.
Na altura em que recebi o material, não fiquei muito surpreendido porque tinha ideia daquilo e de muito mais. Mas fiquei revoltado, como seria natural. Entre as treze fichas que me diziam respeito, encontrei uma sobre a emissão do meu diploma de ensino particular. Conforme pude verificar, se a informação do Chefe da Brigada de Arroios, em Lisboa, não tivesse sido que "Moral e politicamente nada consta em seu desabono", o diploma não me teria sido passado. Todo o meu investimento no curso da Faculdade de Letras ficaria invalidado para efeitos de ensino se a informação fosse negativa. É angustiante chegar a esta conclusão. Na eventualidade de eu ter manifestado publicamente uma opinião contrária ao regime - o que teria sido perfeitamente normal num país livre - o poder tinha a possibilidade de não assinar o diploma e, assim, impedir que qualquer instituição me contratasse. Este é um exemplo típico do totalitarismo português. Para o Estado, eu não era eu, um homem livre e adulto, mas sim uma pessoa que ao regime tinha de subjugar a sua mente.
Uma outra informação solicitada à PIDE, neste caso através do Comandante do Posto da GNR de Oeiras, relacionou-se com a minha entrada como oficial miliciano para o Estado-Maior do Exército, em Lisboa. O Comandante do Posto informa num português pouco ortodoxo que "segundo a conclusão a que cheguei gozava de muita simpatia no lugar onde murou (sic) e não tinha ideias contrárias ao actual Regime." O curioso é que eu tinha ideias contrárias, embora não fosse por natureza um revolucionário activo. Tinha, por outro lado, algum cuidado natural sobre quando e com quem manifestava essas ideias.
Mesmo quando em 1957 me candidatei a um exame para guia-intérprete oficial no Secretariado Nacional da Informação, o SNI solicitou informação à PIDE, que a endereçou ao Presidente da Câmara da terra onde nasci. A resposta assinala que "não tem hostilizado a actual Situação Política nem manifestado ideias subversivas." Note-se as maiúsculas reverenciais utilizadas talvez subconscientemente para "Situação Política".
No dia em que li a documentação na Torre do Tombo, cheguei a casa e escrevi umas linhas sobre o assunto. Este foi um dos parágrafos: "O cerco era quase total. Ganho agora verdadeira consciência de que por vezes arrisquei bastante. Durante a guerra colonial em Angola, por exemplo, tive discussões abertas de carácter político, que felizmente não chegaram aos ouvidos da PIDE - a não ser que estejam no dossier que "ainda é cedo para consultar".
Nessa altura, eu ainda não sabia o que sei hoje, mas já tinha recebido a informação na própria Torre do Tombo de que existia um boletim muito maior e detalhado sobre mim, ao qual não poderia ter acesso porque nele estavam mencionadas várias pessoas ainda vivas. É, afinal, um dossier que nunca lerei.
Uma surpresa posterior, e grande, chegou-me há cerca de dois anos apenas, quando o comandante da minha Companhia em Angola, um bom amigo de há mais de quatro décadas, me revelou em conversa na minha própria casa que mesmo antes de partirmos para África ele tinha recebido um ofício da PIDE comunicando-lhe que eu era um elemento que devia ser vigiado. Isto significa, evidentemente, que durante todo o tempo da minha prestação de serviço militar em Angola muitas das minhas cartas foram abertas e lidas e algumas das minhas conversas terão sido transmitidas à polícia política. Tudo estará registado no tal dossier.
Enfim, o pesadelo acabou, mas não é nada que não possa voltar um dia. Só falei nele agora por causa do artigo do Público. Mesmo assim, permito-me recordar uns conhecidos versos de Maiakovski:
Na primeira noite,
Eles aproximam-se
E colhem uma flor do nosso jardim.
E nós, não dizemos nada.
Na segunda noite,
Já não se escondem,
Pisam as flores
E matam-nos o cão.
E nós, não dizemos nada.
Até que um dia
O mais frágil deles
Entra-nos pela casa dentro
Rouba-nos a lua
E, conhecendo o nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta.
E porque nunca dissemos nada
Já nada podemos dizer.
Foi em Outubro de 1998 que tive acesso aos meus documentos-PIDE, depois de ter pedido a sua consulta em Fevereiro. Desconhecia em absoluto se teria lá alguma coisa. Os meses que medearam entre o meu pedido e a leitura dos documentos que me foram facilitados ficaram a dever-se à necessidade de expurgar as minhas (e muitas outras) fichas de informações e denúncias assinadas por pessoas ainda vivas, o que a lei (correctamente) não permite. No gabinete de expurgo trabalham apenas três pessoas para fazerem todo o trabalho.
Na altura em que recebi o material, não fiquei muito surpreendido porque tinha ideia daquilo e de muito mais. Mas fiquei revoltado, como seria natural. Entre as treze fichas que me diziam respeito, encontrei uma sobre a emissão do meu diploma de ensino particular. Conforme pude verificar, se a informação do Chefe da Brigada de Arroios, em Lisboa, não tivesse sido que "Moral e politicamente nada consta em seu desabono", o diploma não me teria sido passado. Todo o meu investimento no curso da Faculdade de Letras ficaria invalidado para efeitos de ensino se a informação fosse negativa. É angustiante chegar a esta conclusão. Na eventualidade de eu ter manifestado publicamente uma opinião contrária ao regime - o que teria sido perfeitamente normal num país livre - o poder tinha a possibilidade de não assinar o diploma e, assim, impedir que qualquer instituição me contratasse. Este é um exemplo típico do totalitarismo português. Para o Estado, eu não era eu, um homem livre e adulto, mas sim uma pessoa que ao regime tinha de subjugar a sua mente.
Uma outra informação solicitada à PIDE, neste caso através do Comandante do Posto da GNR de Oeiras, relacionou-se com a minha entrada como oficial miliciano para o Estado-Maior do Exército, em Lisboa. O Comandante do Posto informa num português pouco ortodoxo que "segundo a conclusão a que cheguei gozava de muita simpatia no lugar onde murou (sic) e não tinha ideias contrárias ao actual Regime." O curioso é que eu tinha ideias contrárias, embora não fosse por natureza um revolucionário activo. Tinha, por outro lado, algum cuidado natural sobre quando e com quem manifestava essas ideias.
Mesmo quando em 1957 me candidatei a um exame para guia-intérprete oficial no Secretariado Nacional da Informação, o SNI solicitou informação à PIDE, que a endereçou ao Presidente da Câmara da terra onde nasci. A resposta assinala que "não tem hostilizado a actual Situação Política nem manifestado ideias subversivas." Note-se as maiúsculas reverenciais utilizadas talvez subconscientemente para "Situação Política".
No dia em que li a documentação na Torre do Tombo, cheguei a casa e escrevi umas linhas sobre o assunto. Este foi um dos parágrafos: "O cerco era quase total. Ganho agora verdadeira consciência de que por vezes arrisquei bastante. Durante a guerra colonial em Angola, por exemplo, tive discussões abertas de carácter político, que felizmente não chegaram aos ouvidos da PIDE - a não ser que estejam no dossier que "ainda é cedo para consultar".
Nessa altura, eu ainda não sabia o que sei hoje, mas já tinha recebido a informação na própria Torre do Tombo de que existia um boletim muito maior e detalhado sobre mim, ao qual não poderia ter acesso porque nele estavam mencionadas várias pessoas ainda vivas. É, afinal, um dossier que nunca lerei.
Uma surpresa posterior, e grande, chegou-me há cerca de dois anos apenas, quando o comandante da minha Companhia em Angola, um bom amigo de há mais de quatro décadas, me revelou em conversa na minha própria casa que mesmo antes de partirmos para África ele tinha recebido um ofício da PIDE comunicando-lhe que eu era um elemento que devia ser vigiado. Isto significa, evidentemente, que durante todo o tempo da minha prestação de serviço militar em Angola muitas das minhas cartas foram abertas e lidas e algumas das minhas conversas terão sido transmitidas à polícia política. Tudo estará registado no tal dossier.
Enfim, o pesadelo acabou, mas não é nada que não possa voltar um dia. Só falei nele agora por causa do artigo do Público. Mesmo assim, permito-me recordar uns conhecidos versos de Maiakovski:
Na primeira noite,
Eles aproximam-se
E colhem uma flor do nosso jardim.
E nós, não dizemos nada.
Na segunda noite,
Já não se escondem,
Pisam as flores
E matam-nos o cão.
E nós, não dizemos nada.
Até que um dia
O mais frágil deles
Entra-nos pela casa dentro
Rouba-nos a lua
E, conhecendo o nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta.
E porque nunca dissemos nada
Já nada podemos dizer.
3/16/2008
Os agora inseguros certificados de aforro
Há muitos anos que o Estado recorre à população para lhe emprestar dinheiro. Com isso fomenta a poupança. É evidente que esses empréstimos têm de ser remunerados, pois de outra forma não existiria qualquer incentivo para que os cidadãos entregassem parte das suas economias à Junta de Crédito Público. Os certificados de aforro, que constituem um instrumento de dívida interna por parte do Estado português, ofereciam a importante garantia de que, sendo geridos pelo Estado, praticamente não corriam qualquer risco e o contrato seria cumprido conforme assinado entre as duas partes.
Os certificados da série B tiveram o seu início em 1986. Dois anos mais tarde, num período de sérios constrangimentos financeiros, o Primeiro-Ministro Mário Soares usou-os para pagar o subsídio de Natal aos funcionários públicos. Era como se fosse dinheiro da Casa da Moeda. Acabou por ser uma medida correcta e ajudou muitos portugueses a descobrirem os certificados de aforro. Estes certificados venciam uma taxa de 94 por cento da Euribor (um indexante baseado nas operações cruzadas dos principais bancos que actuam na União Europeia e que reflecte as tendências do mercado). Porquê 94 por cento? Porque este é o valor usado pelos bancos nos seus empréstimos para habitação. Isto significa que quando a Euribor sobe, os juros a pagar pelo Estado sobem; sempre que a Euribor desce, os encargos estatais baixam. Por volta de 2000 e 2001, quando as taxas de juro estiveram muito baixas, quem possuía certificados de aforro viu os seus réditos diminuírem, pois com taxas baixas os juros que recebiam eram também reduzidos. Aguentaram, enquanto o Estado poupou milhões. Gradualmente, porém, os juros foram subindo, o que a Euribor naturalmente reflectiu. Em Agosto de 2006, quando esses juros estavam a um nível mais elevado e os detentores de certificados se encontravam, consequentemente, a receber mais, o Estado vibrou o seu primeiro golpe: alterou as regras do jogo. A partir daí, a taxa dos certificados desligava-se da dos empréstimos para habitação - embora se mantivesse associada à Euribor -, sendo reduzida de 94 para 80 por cento.
Como todos estaremos lembrados, a Euribor não parou, gradualmente, de subir. Dado que a vergonha é como a virgindade - perdida uma vez, perdida para sempre - o Estado não se coibiu de voltar a mudar as regras do jogo. No início do corrente ano, passou a taxa de 80 para 60 por cento da Euribor, cancelou a emissão de mais certificados série B e criou uma série C com condições inferiores às da anterior. Sem grande surpresa para ninguém, os levantamentos de certificados de aforro no passado mês de Fevereiro atingiram os valores mais altos de sempre.
O importante de tudo, porém, é o facto de todos os detentores de certificados de aforro verificarem que, afinal, o Estado não se comporta de maneira diferente das instituições financeiras. Para ele, os cidadãos são meros clientes com os quais se joga consoante a situação mais convenha ao operador. As regras estabelecidas inicialmente não são cumpridas. Como não poderia deixar de ser, este tipo de actuação por parte do Estado - e, nomeadamente, do governo temporariamente responsável pela sua administração - tem efeitos negativos sobre a poupança e constitui um poderoso desincentivo às pequenas economias que milhares de cidadãos procuram constituir. Lamentável.
Os certificados da série B tiveram o seu início em 1986. Dois anos mais tarde, num período de sérios constrangimentos financeiros, o Primeiro-Ministro Mário Soares usou-os para pagar o subsídio de Natal aos funcionários públicos. Era como se fosse dinheiro da Casa da Moeda. Acabou por ser uma medida correcta e ajudou muitos portugueses a descobrirem os certificados de aforro. Estes certificados venciam uma taxa de 94 por cento da Euribor (um indexante baseado nas operações cruzadas dos principais bancos que actuam na União Europeia e que reflecte as tendências do mercado). Porquê 94 por cento? Porque este é o valor usado pelos bancos nos seus empréstimos para habitação. Isto significa que quando a Euribor sobe, os juros a pagar pelo Estado sobem; sempre que a Euribor desce, os encargos estatais baixam. Por volta de 2000 e 2001, quando as taxas de juro estiveram muito baixas, quem possuía certificados de aforro viu os seus réditos diminuírem, pois com taxas baixas os juros que recebiam eram também reduzidos. Aguentaram, enquanto o Estado poupou milhões. Gradualmente, porém, os juros foram subindo, o que a Euribor naturalmente reflectiu. Em Agosto de 2006, quando esses juros estavam a um nível mais elevado e os detentores de certificados se encontravam, consequentemente, a receber mais, o Estado vibrou o seu primeiro golpe: alterou as regras do jogo. A partir daí, a taxa dos certificados desligava-se da dos empréstimos para habitação - embora se mantivesse associada à Euribor -, sendo reduzida de 94 para 80 por cento.
Como todos estaremos lembrados, a Euribor não parou, gradualmente, de subir. Dado que a vergonha é como a virgindade - perdida uma vez, perdida para sempre - o Estado não se coibiu de voltar a mudar as regras do jogo. No início do corrente ano, passou a taxa de 80 para 60 por cento da Euribor, cancelou a emissão de mais certificados série B e criou uma série C com condições inferiores às da anterior. Sem grande surpresa para ninguém, os levantamentos de certificados de aforro no passado mês de Fevereiro atingiram os valores mais altos de sempre.
O importante de tudo, porém, é o facto de todos os detentores de certificados de aforro verificarem que, afinal, o Estado não se comporta de maneira diferente das instituições financeiras. Para ele, os cidadãos são meros clientes com os quais se joga consoante a situação mais convenha ao operador. As regras estabelecidas inicialmente não são cumpridas. Como não poderia deixar de ser, este tipo de actuação por parte do Estado - e, nomeadamente, do governo temporariamente responsável pela sua administração - tem efeitos negativos sobre a poupança e constitui um poderoso desincentivo às pequenas economias que milhares de cidadãos procuram constituir. Lamentável.
3/14/2008
A guerra dos galheteiros
Os que gostam de línguas sempre se perguntaram por que motivo se diz "galhetas" em português. Tanto quanto sei, "una galleta" em castelhano é uma bolacha, tanto na sua faceta comestível como na versão popular de bofetada. Deixemos, porém, a etimologia dos galheteiros em paz, porque o que se avizinha não é apenas uma pacífica discussão deste teor, mas uma verdadeira guerra.
Todos nós nos lembramos que a história do "politicamente correcto" teve há três anos uma mudança drástica nos restaurantes: o azeite e o vinagre que poderiam ser usados para condimentar o bacalhau ou outros pratos de peixe, além de saladas, tinham obrigatoriamente de possuir uma embalagem especial do tipo usa-uma-vez-e-joga-fora. A lei foi clara e os galheteiros, que tão úteis e populares tinham sido durante décadas, viram chegado o seu fim ingloriamente. Vem-nos agora a Associação da Restauração e Similares de Portugal, vulgo ARESP, contar a história de outra maneira. Afinal, desta vez não terá sido a ASAE, com as suas costas largas, a determinar a medida. Segundo a ARESP, a Portaria nº 24/2005 foi "o infame resultado do poderoso lobby dos embaladores de azeite, que assim conseguiram o monopólio da sua comercialização e a consequente, e imediata, triplicação do respectivo preço". E esta, hein? Resta acrescentar que tudo se passou durante o governo PSD/CDS-PP e que terá sido este último partido o grande proponente de tão generosa medida. No próximo dia 31, aquando do seu congresso, a ARESP já fez saber que vai exigir a revogação da portaria acima mencionada. Será que das galhetas de vidro vamos passar às outras, de sopapo?
Todos nós nos lembramos que a história do "politicamente correcto" teve há três anos uma mudança drástica nos restaurantes: o azeite e o vinagre que poderiam ser usados para condimentar o bacalhau ou outros pratos de peixe, além de saladas, tinham obrigatoriamente de possuir uma embalagem especial do tipo usa-uma-vez-e-joga-fora. A lei foi clara e os galheteiros, que tão úteis e populares tinham sido durante décadas, viram chegado o seu fim ingloriamente. Vem-nos agora a Associação da Restauração e Similares de Portugal, vulgo ARESP, contar a história de outra maneira. Afinal, desta vez não terá sido a ASAE, com as suas costas largas, a determinar a medida. Segundo a ARESP, a Portaria nº 24/2005 foi "o infame resultado do poderoso lobby dos embaladores de azeite, que assim conseguiram o monopólio da sua comercialização e a consequente, e imediata, triplicação do respectivo preço". E esta, hein? Resta acrescentar que tudo se passou durante o governo PSD/CDS-PP e que terá sido este último partido o grande proponente de tão generosa medida. No próximo dia 31, aquando do seu congresso, a ARESP já fez saber que vai exigir a revogação da portaria acima mencionada. Será que das galhetas de vidro vamos passar às outras, de sopapo?
3/12/2008
Bush pós-Casa Branca
Diz-se que depois dos maus dias que passou, preocupado com a sua sorte, George W. anda agora contente da vida. As preocupações advinham-lhe do facto de não saber exactamente o que iria fazer depois da sua saída da Casa Branca como Presidente dos Estados Unidos da América. Individualidades como o Bill Clinton, o Jimmy Carter, o Gorbatchov, o Tony Blair, o Kofi Annan e tantos outros deixaram os seus lugares e ganharam e ganham bom dinheiro dando conferências por todo o mundo pagas a peso-de-ouro. E ele, Bush, o que iria fazer? Foi aí que as rugas começaram a ensombrar-lhe o rosto. Cada vez mais. Até que um bom amigo o desanuviou. Completamente. Agora o homem parece outro. "Vais vender a tua imagem como stand-up comedian", disse-lhe o amigo. "O.K.", respondeu Bush. "E depois o que é que eu digo às pessoas?" "Nada. Absolutamente nada. A tua presença em palco, olhando a plateia e tendo a plateia a olhar para ti, vai ser mais do que suficiente para eles darem as maiores gargalhadas da sua vida. Vais ser um sucesso por esse mundo fora!"
Coisas que se dizem. Será verdade?
Coisas que se dizem. Será verdade?
3/11/2008
O quiz de Março
3/06/2008
Três apontamentos brevíssimos
1. As manifestações dos professores contra a ministra da Educação ocorrem em múltiplas cidades do país. Aguarda-se a manifestação magna no próximo sábado, em Lisboa, no Terreiro do Paço. Entretanto, o primeiro-ministro irá estar noutra altura numa sessão sobre o mesmo assunto, em recinto fechado (em Março-marçagão, de manhã é Inverno, à tarde é Verão, como diz o ditado, de modo que é melhor ser prudente).
Pessoalmente, não defendo a demissão da Ministra, mas sou, claramente, pela revisão e adiamento da avaliação. Continuo naturalmente a pensar que as avaliações são necessárias e mesmo indispensáveis, pois é bom que se separe o trigo do joio, mas os moldes em que está prevista esta avaliação, a juntar ao erro crasso que é o de realizar à pressa algo que não foi minimamente testado, convidam de facto a um adiamento desta acção para o próximo ano lectivo.
2. Noticiam os jornais que a Judiciária investiga a venda de dois prédios, ambos dos CTT, sendo um em Coimbra e outro em Lisboa, a privados, num caso ocorrido em 2003. Como na altura alguns jornais relataram, no mesmo dia da venda pelos CTT do imóvel de Coimbra a um determinado preço, o comprador terá revendido o prédio por um preço largamente superior. Não há muito tempo, aliás, o actual bastonário da Ordem dos Advogados, referiu-se abertamente a este caso.
Investigar é bom e, em princípio, chegar-se-á a uma conclusão. Mas será que os responsáveis serão punidos? O grande problema que há muitos anos temos é que, seja em casos destes, seja noutros, os gestores da coisa pública se crêem donos do bem enquanto são gestores. Esquecem-se de que são apenas administradores e de que o real proprietário - o Estado - lhes pode (e deve) pedir contas pela forma como agiram. Enquanto essas regras não forem convenientemente definidas e a responsabilidade for de facto assacada em casos de dolo, a história continuará.
3. Nos Estados Unidos, a candidatura de Obama está a obter resultados claramente superiores às expectativas. Os vários amigos que tenho na América, com excepção de um, apoiam Obama, na medida em que sentem que os terríveis anos de Bush estão a pedir uma grande reviravolta. Obama conseguiu arvorar-se como facho de esperança para milhões de pessoas desapontadas com o actual estado de coisas. Se é verdade que, por um lado, poderá não chegar à Casa Branca e, por outro, poderá revelar-se não estar à altura do desejo de mudança que criou nas pessoas, não deixa de ser notável o movimento que ele conseguiu e a resposta que obteve para os anseios que expressa. Achei interessante o que um dos meus amigos, que vive e trabalha em Washington, me contou há dias sobre as (pequenas) cotizações (mas em grande volume) que as pessoas fazem entre si para arranjar fundos para a campanha e como se empenham em angariar votos para Obama através de contactos porta-a-porta. É todo um movimento cívico que está em marcha para renovar a América e retirá-la tão cedo quanto possível do pesadelo bushiano. Espero que dê bons frutos.
Pessoalmente, não defendo a demissão da Ministra, mas sou, claramente, pela revisão e adiamento da avaliação. Continuo naturalmente a pensar que as avaliações são necessárias e mesmo indispensáveis, pois é bom que se separe o trigo do joio, mas os moldes em que está prevista esta avaliação, a juntar ao erro crasso que é o de realizar à pressa algo que não foi minimamente testado, convidam de facto a um adiamento desta acção para o próximo ano lectivo.
2. Noticiam os jornais que a Judiciária investiga a venda de dois prédios, ambos dos CTT, sendo um em Coimbra e outro em Lisboa, a privados, num caso ocorrido em 2003. Como na altura alguns jornais relataram, no mesmo dia da venda pelos CTT do imóvel de Coimbra a um determinado preço, o comprador terá revendido o prédio por um preço largamente superior. Não há muito tempo, aliás, o actual bastonário da Ordem dos Advogados, referiu-se abertamente a este caso.
Investigar é bom e, em princípio, chegar-se-á a uma conclusão. Mas será que os responsáveis serão punidos? O grande problema que há muitos anos temos é que, seja em casos destes, seja noutros, os gestores da coisa pública se crêem donos do bem enquanto são gestores. Esquecem-se de que são apenas administradores e de que o real proprietário - o Estado - lhes pode (e deve) pedir contas pela forma como agiram. Enquanto essas regras não forem convenientemente definidas e a responsabilidade for de facto assacada em casos de dolo, a história continuará.
3. Nos Estados Unidos, a candidatura de Obama está a obter resultados claramente superiores às expectativas. Os vários amigos que tenho na América, com excepção de um, apoiam Obama, na medida em que sentem que os terríveis anos de Bush estão a pedir uma grande reviravolta. Obama conseguiu arvorar-se como facho de esperança para milhões de pessoas desapontadas com o actual estado de coisas. Se é verdade que, por um lado, poderá não chegar à Casa Branca e, por outro, poderá revelar-se não estar à altura do desejo de mudança que criou nas pessoas, não deixa de ser notável o movimento que ele conseguiu e a resposta que obteve para os anseios que expressa. Achei interessante o que um dos meus amigos, que vive e trabalha em Washington, me contou há dias sobre as (pequenas) cotizações (mas em grande volume) que as pessoas fazem entre si para arranjar fundos para a campanha e como se empenham em angariar votos para Obama através de contactos porta-a-porta. É todo um movimento cívico que está em marcha para renovar a América e retirá-la tão cedo quanto possível do pesadelo bushiano. Espero que dê bons frutos.
3/03/2008
Três jogos simples
Devido à sua necessidade lúdica, o homem foi criando ao longo da sua existência - e continua criando - inúmeros jogos. De entre jogos de cartas, de tabuleiro, de ar livre, de desporto puro, de computador e outros, escolho hoje três dos "outros", que se me afiguram como clássicos, simples mas instrutivos, e interessantes sob vários ângulos. São eles o labirinto, a batalha naval e o sudoku. Possivelmente quem lê este apontamento já os jogou, seja quando foi criança ou adolescente (algo altamente improvável relativamente ao sudoku), seja ainda agora. Enquanto o labirinto e o sudoku são concebidos para uma pessoa só, a batalha naval destina-se a duas pessoas.
O labirinto é um passatempo infantil, como se sabe. De um dado ponto, o jogador procura, através de minotáuricos meandros que muitas vezes terminam num impasse, alcançar um determinado objectivo. É um exercício de observação (tanto quanto possível visto de topo, com vista de águia) e de paciência, do tipo if at first you don’t succeed, try and try and try again. A mim, os labirintos ensinaram-me uma lição quando eu tinha 5 ou 6 anos e me entretinha a tentar resolvê-los. Um dia, o meu irmão, onze anos mais velho, chamou-me parvo quando deparou comigo, debruçado e com um pequeno lápis, a tentar resolver um desses labirintos. Recordo-me de, ante a palavra "parvo", ter olhado muito para cima - além do mais, ele estava de pé e eu sentado - e de o ter ouvido explicar-me, com um sorriso matreiro, que se eu começasse do lado do objectivo o caminho para o ponto de partida seria muito fácil de descobrir. Fiz a experiência. Ele tinha toda a razão. Com isso, estragou-me o prazer de desvendar o mistério dos labirintos, mas deu-me uma lição que me serviu para a vida (só mais tarde entendi esse facto): "considera o outro lado, analisa os casos sempre de várias perspectivas".
A batalha naval foi para mim, enquanto adolescente, um jogo muito útil. Se bem me lembro, poucas vezes perdia. Aprendi algo importante com este jogo: mais importante do que atirar ao fundo um barco-de-dois do nosso adversário ou o porta-aviões é conhecer a sua localização exacta. Porquê? Pela simples razão de que depois se colocam cruzes a toda a volta do barco afundado, o que significa que não vamos desperdiçar tiros para casas onde o inimigo não pode ter nenhuma embarcação por ser contra as regras. Numerar primeiro as jogadas, assinalar depois os tiros certeiros e, por último, eliminar montes de hipóteses através das cruzes constitui um método que aumenta sobremaneira a nossa eficácia de tiro. Esta lição de método e de eficiência necessária para atingir um objectivo foi-me dada em grande parte, se bem me recordo, por este jogo, que hoje terá caído em completo desuso (a 2ª Grande Guerra, na qual batalhas navais foram muito frequentes, já vai longe). Era o nosso passatempo favorito nas aulas de Latim, nomeadamente quando um colega estava a ser chamado à matéria dada. A uma língua morta como é o latim replicávamos nós com um jogo bem vivo. Nunca houve problema, a não ser num dia em que dois colegas meus, de tão concentrados que estavam no jogo, não deram pelo final da aula e pela saída dos restantes alunos. Só repararam que a professora estava ali mesmo junto a eles quando um proclamou, virando a cabeça, o resultado da jogada anterior: "Submarino ao fundo em B2."
Por seu lado, o sudoku é, tal como os outros, um jogo sem palavras: um puzzle labiríntico de números, que procura levar o jogador a descobrir como preencher as múltiplas casas que estão em branco, seguindo regras pré-estabelecidas. Este é, de longe, o mais moderno dos três jogos que escolhi. Dada a sua natureza numérica e popularidade, qualquer jornal nacional ou estrangeiro o tem. É mais um produto da globalização. Tal como o labirinto, exige análise e a paciência de um strip tease numérico. Constitui um razoável exercício mental, por eliminação de hipóteses. No final, o completamento do puzzle serve de recompensa para a ginástica cerebral entretanto realizada.
Jogar faz bem. Mantém-nos atentos, concentrados, e distraídos do resto. Tal como o sentido de humor, a faceta lúdica do homem é primordial.
Sobre os jogos de computador prefiro que sejam outros a falar, mas sempre direi que, como não posso fixar os olhos durante muito tempo num monitor, eles cansam-me. Por outro lado, parecem-me jogos demasiado reactivos. Não me dão o relax que espero de um jogo-passatempo após um dia de trabalho. Talvez seja apenas uma questão de hábito. Seja como for, prefiro pensatempos a meros passatempos.
O labirinto é um passatempo infantil, como se sabe. De um dado ponto, o jogador procura, através de minotáuricos meandros que muitas vezes terminam num impasse, alcançar um determinado objectivo. É um exercício de observação (tanto quanto possível visto de topo, com vista de águia) e de paciência, do tipo if at first you don’t succeed, try and try and try again. A mim, os labirintos ensinaram-me uma lição quando eu tinha 5 ou 6 anos e me entretinha a tentar resolvê-los. Um dia, o meu irmão, onze anos mais velho, chamou-me parvo quando deparou comigo, debruçado e com um pequeno lápis, a tentar resolver um desses labirintos. Recordo-me de, ante a palavra "parvo", ter olhado muito para cima - além do mais, ele estava de pé e eu sentado - e de o ter ouvido explicar-me, com um sorriso matreiro, que se eu começasse do lado do objectivo o caminho para o ponto de partida seria muito fácil de descobrir. Fiz a experiência. Ele tinha toda a razão. Com isso, estragou-me o prazer de desvendar o mistério dos labirintos, mas deu-me uma lição que me serviu para a vida (só mais tarde entendi esse facto): "considera o outro lado, analisa os casos sempre de várias perspectivas".
A batalha naval foi para mim, enquanto adolescente, um jogo muito útil. Se bem me lembro, poucas vezes perdia. Aprendi algo importante com este jogo: mais importante do que atirar ao fundo um barco-de-dois do nosso adversário ou o porta-aviões é conhecer a sua localização exacta. Porquê? Pela simples razão de que depois se colocam cruzes a toda a volta do barco afundado, o que significa que não vamos desperdiçar tiros para casas onde o inimigo não pode ter nenhuma embarcação por ser contra as regras. Numerar primeiro as jogadas, assinalar depois os tiros certeiros e, por último, eliminar montes de hipóteses através das cruzes constitui um método que aumenta sobremaneira a nossa eficácia de tiro. Esta lição de método e de eficiência necessária para atingir um objectivo foi-me dada em grande parte, se bem me recordo, por este jogo, que hoje terá caído em completo desuso (a 2ª Grande Guerra, na qual batalhas navais foram muito frequentes, já vai longe). Era o nosso passatempo favorito nas aulas de Latim, nomeadamente quando um colega estava a ser chamado à matéria dada. A uma língua morta como é o latim replicávamos nós com um jogo bem vivo. Nunca houve problema, a não ser num dia em que dois colegas meus, de tão concentrados que estavam no jogo, não deram pelo final da aula e pela saída dos restantes alunos. Só repararam que a professora estava ali mesmo junto a eles quando um proclamou, virando a cabeça, o resultado da jogada anterior: "Submarino ao fundo em B2."
Por seu lado, o sudoku é, tal como os outros, um jogo sem palavras: um puzzle labiríntico de números, que procura levar o jogador a descobrir como preencher as múltiplas casas que estão em branco, seguindo regras pré-estabelecidas. Este é, de longe, o mais moderno dos três jogos que escolhi. Dada a sua natureza numérica e popularidade, qualquer jornal nacional ou estrangeiro o tem. É mais um produto da globalização. Tal como o labirinto, exige análise e a paciência de um strip tease numérico. Constitui um razoável exercício mental, por eliminação de hipóteses. No final, o completamento do puzzle serve de recompensa para a ginástica cerebral entretanto realizada.
Jogar faz bem. Mantém-nos atentos, concentrados, e distraídos do resto. Tal como o sentido de humor, a faceta lúdica do homem é primordial.
Sobre os jogos de computador prefiro que sejam outros a falar, mas sempre direi que, como não posso fixar os olhos durante muito tempo num monitor, eles cansam-me. Por outro lado, parecem-me jogos demasiado reactivos. Não me dão o relax que espero de um jogo-passatempo após um dia de trabalho. Talvez seja apenas uma questão de hábito. Seja como for, prefiro pensatempos a meros passatempos.
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