Há muitos anos que o Estado recorre à população para lhe emprestar dinheiro. Com isso fomenta a poupança. É evidente que esses empréstimos têm de ser remunerados, pois de outra forma não existiria qualquer incentivo para que os cidadãos entregassem parte das suas economias à Junta de Crédito Público. Os certificados de aforro, que constituem um instrumento de dívida interna por parte do Estado português, ofereciam a importante garantia de que, sendo geridos pelo Estado, praticamente não corriam qualquer risco e o contrato seria cumprido conforme assinado entre as duas partes.
Os certificados da série B tiveram o seu início em 1986. Dois anos mais tarde, num período de sérios constrangimentos financeiros, o Primeiro-Ministro Mário Soares usou-os para pagar o subsídio de Natal aos funcionários públicos. Era como se fosse dinheiro da Casa da Moeda. Acabou por ser uma medida correcta e ajudou muitos portugueses a descobrirem os certificados de aforro. Estes certificados venciam uma taxa de 94 por cento da Euribor (um indexante baseado nas operações cruzadas dos principais bancos que actuam na União Europeia e que reflecte as tendências do mercado). Porquê 94 por cento? Porque este é o valor usado pelos bancos nos seus empréstimos para habitação. Isto significa que quando a Euribor sobe, os juros a pagar pelo Estado sobem; sempre que a Euribor desce, os encargos estatais baixam. Por volta de 2000 e 2001, quando as taxas de juro estiveram muito baixas, quem possuía certificados de aforro viu os seus réditos diminuírem, pois com taxas baixas os juros que recebiam eram também reduzidos. Aguentaram, enquanto o Estado poupou milhões. Gradualmente, porém, os juros foram subindo, o que a Euribor naturalmente reflectiu. Em Agosto de 2006, quando esses juros estavam a um nível mais elevado e os detentores de certificados se encontravam, consequentemente, a receber mais, o Estado vibrou o seu primeiro golpe: alterou as regras do jogo. A partir daí, a taxa dos certificados desligava-se da dos empréstimos para habitação - embora se mantivesse associada à Euribor -, sendo reduzida de 94 para 80 por cento.
Como todos estaremos lembrados, a Euribor não parou, gradualmente, de subir. Dado que a vergonha é como a virgindade - perdida uma vez, perdida para sempre - o Estado não se coibiu de voltar a mudar as regras do jogo. No início do corrente ano, passou a taxa de 80 para 60 por cento da Euribor, cancelou a emissão de mais certificados série B e criou uma série C com condições inferiores às da anterior. Sem grande surpresa para ninguém, os levantamentos de certificados de aforro no passado mês de Fevereiro atingiram os valores mais altos de sempre.
O importante de tudo, porém, é o facto de todos os detentores de certificados de aforro verificarem que, afinal, o Estado não se comporta de maneira diferente das instituições financeiras. Para ele, os cidadãos são meros clientes com os quais se joga consoante a situação mais convenha ao operador. As regras estabelecidas inicialmente não são cumpridas. Como não poderia deixar de ser, este tipo de actuação por parte do Estado - e, nomeadamente, do governo temporariamente responsável pela sua administração - tem efeitos negativos sobre a poupança e constitui um poderoso desincentivo às pequenas economias que milhares de cidadãos procuram constituir. Lamentável.
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