Devido à sua necessidade lúdica, o homem foi criando ao longo da sua existência - e continua criando - inúmeros jogos. De entre jogos de cartas, de tabuleiro, de ar livre, de desporto puro, de computador e outros, escolho hoje três dos "outros", que se me afiguram como clássicos, simples mas instrutivos, e interessantes sob vários ângulos. São eles o labirinto, a batalha naval e o sudoku. Possivelmente quem lê este apontamento já os jogou, seja quando foi criança ou adolescente (algo altamente improvável relativamente ao sudoku), seja ainda agora. Enquanto o labirinto e o sudoku são concebidos para uma pessoa só, a batalha naval destina-se a duas pessoas.
O labirinto é um passatempo infantil, como se sabe. De um dado ponto, o jogador procura, através de minotáuricos meandros que muitas vezes terminam num impasse, alcançar um determinado objectivo. É um exercício de observação (tanto quanto possível visto de topo, com vista de águia) e de paciência, do tipo if at first you don’t succeed, try and try and try again. A mim, os labirintos ensinaram-me uma lição quando eu tinha 5 ou 6 anos e me entretinha a tentar resolvê-los. Um dia, o meu irmão, onze anos mais velho, chamou-me parvo quando deparou comigo, debruçado e com um pequeno lápis, a tentar resolver um desses labirintos. Recordo-me de, ante a palavra "parvo", ter olhado muito para cima - além do mais, ele estava de pé e eu sentado - e de o ter ouvido explicar-me, com um sorriso matreiro, que se eu começasse do lado do objectivo o caminho para o ponto de partida seria muito fácil de descobrir. Fiz a experiência. Ele tinha toda a razão. Com isso, estragou-me o prazer de desvendar o mistério dos labirintos, mas deu-me uma lição que me serviu para a vida (só mais tarde entendi esse facto): "considera o outro lado, analisa os casos sempre de várias perspectivas".
A batalha naval foi para mim, enquanto adolescente, um jogo muito útil. Se bem me lembro, poucas vezes perdia. Aprendi algo importante com este jogo: mais importante do que atirar ao fundo um barco-de-dois do nosso adversário ou o porta-aviões é conhecer a sua localização exacta. Porquê? Pela simples razão de que depois se colocam cruzes a toda a volta do barco afundado, o que significa que não vamos desperdiçar tiros para casas onde o inimigo não pode ter nenhuma embarcação por ser contra as regras. Numerar primeiro as jogadas, assinalar depois os tiros certeiros e, por último, eliminar montes de hipóteses através das cruzes constitui um método que aumenta sobremaneira a nossa eficácia de tiro. Esta lição de método e de eficiência necessária para atingir um objectivo foi-me dada em grande parte, se bem me recordo, por este jogo, que hoje terá caído em completo desuso (a 2ª Grande Guerra, na qual batalhas navais foram muito frequentes, já vai longe). Era o nosso passatempo favorito nas aulas de Latim, nomeadamente quando um colega estava a ser chamado à matéria dada. A uma língua morta como é o latim replicávamos nós com um jogo bem vivo. Nunca houve problema, a não ser num dia em que dois colegas meus, de tão concentrados que estavam no jogo, não deram pelo final da aula e pela saída dos restantes alunos. Só repararam que a professora estava ali mesmo junto a eles quando um proclamou, virando a cabeça, o resultado da jogada anterior: "Submarino ao fundo em B2."
Por seu lado, o sudoku é, tal como os outros, um jogo sem palavras: um puzzle labiríntico de números, que procura levar o jogador a descobrir como preencher as múltiplas casas que estão em branco, seguindo regras pré-estabelecidas. Este é, de longe, o mais moderno dos três jogos que escolhi. Dada a sua natureza numérica e popularidade, qualquer jornal nacional ou estrangeiro o tem. É mais um produto da globalização. Tal como o labirinto, exige análise e a paciência de um strip tease numérico. Constitui um razoável exercício mental, por eliminação de hipóteses. No final, o completamento do puzzle serve de recompensa para a ginástica cerebral entretanto realizada.
Jogar faz bem. Mantém-nos atentos, concentrados, e distraídos do resto. Tal como o sentido de humor, a faceta lúdica do homem é primordial.
Sobre os jogos de computador prefiro que sejam outros a falar, mas sempre direi que, como não posso fixar os olhos durante muito tempo num monitor, eles cansam-me. Por outro lado, parecem-me jogos demasiado reactivos. Não me dão o relax que espero de um jogo-passatempo após um dia de trabalho. Talvez seja apenas uma questão de hábito. Seja como for, prefiro pensatempos a meros passatempos.
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