À primeira vista, este título poderá fazer pouco sentido, mas se reflectirmos um pouco talvez o achemos correcto. Por escola anti-democrática entendo, neste contexto, a escola anterior ao 25 de Abril de 1974. A escola democrática, pelo contrário, é a que se seguiu àquela data.
Tal como milhões de outros portugueses, frequentei a escola primária e a secundária antes do 25 de Abril - na realidade, muito antes. A minha instrução primária decorreu numa localidade a cerca de 70 quilómetros a norte de Lisboa. Recordo-me que as classes em que estive inserido contavam com vinte e tal alunos, ensinados por um único docente durante todo o ano lectivo. No ano seguinte, poderíamos continuar com o mesmo docente ou ter um outro a ensinar-nos. As turmas eram mistas e constituídas na sua maioria por rapazes e raparigas da terra. Famílias de diferentes níveis de riqueza e instrução mandavam os seus filhos para a escola. Iam os filhos do médico, do comerciante, do caixeiro, do vendedor de peles-de-coelho, do ferrador, do ferreiro, do taberneiro, etc. Para que não houvesse distinção no vestuário - embora o argumento usado não fosse este mas sim o de não sujar a roupa - , o Estado fazia com que todos os miúdos fossem para a escola vestidos com um bibe, geralmente aos quadradinhos azuis e brancos. A convivência entre rapazes e raparigas, filhos de famílias com características por vezes marcadamente diferentes, não causava problemas de monta. Pelo contrário, oferecia numerosas vantagens.
No liceu passava-se mais ou menos o mesmo, com a grande diferença de ser numa cidade e não em qualquer terreola de província. Lembro-me de ter tido como colegas, tanto no Passos Manuel como no D. João de Castro, rapazes e raparigas dos mais diversos estratos sociais. Convivi com muitos deles, conheci os locais onde viviam e, obviamente, constatei diferenças abissais. Dos Carriços aos O’Neill, dos Neri aos Malheiros, dos Portelas aos Morais Sarmento, dos Fogaça aos Figueira, dos Sousa Martins aos Litchfield, dos Dokarsky aos Zimmermann, dos Vieira aos Mota, aos Cadete e aos Silveira, havia de tudo: famílias ricas e pobres, umas vivendo em belas casas com óptimos jardins, outras mais modestas e ainda outras muitíssimo modestas. Enquanto uns colegas possuíam magníficos rádios com gira-discos, outros fabricavam eles próprios engenhosamente galenas para ouvir música e notícias. Enquanto uns, poucos, eram levados de manhã pelo chófer até ao portão do liceu, a esmagadora maioria chegava a pé, geralmente depois de uma viagem de eléctrico, autocarro ou comboio. Esta é a minha experiência. Entre 1945 e 1956, salvo erro.
Gradualmente após 1974, a escola democrática tem vindo a perder a democraticidade da sua antecessora. Tenho na minha rua uma escola primária - aquela onde aprendeu as primeiras letras o actual Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso - e sinceramente duvido que ele hoje enviasse os seus filhos ou netos para cá. Através das pessoas que esperam os miúdos à saída também noto diferenças, mas não me parecem muito notórias. Há, como seria previsível, mais nacionalidades do que antigamente: portugueses, angolanos, cabo-verdianos, brasileiros, ucranianos, indianos, romenos. Mas o que não vejo são os filhos dos mais ricos. Ou então sou eu que os não distingo e, devo dizer, distingui-los-ia melhor pelo facto de não usarem bibe.
Na escola secundária, a situação parece-me comparável à da primária. Por outro lado, existem muito mais escolas primárias e secundárias do sector privado. É nelas que se refugiam muitos dos filhos de famílias de maiores posses.
As razões desta evolução são muitas e ocuparia bastante espaço desenvolvê-las aqui. De qualquer forma, impressiona-me que, no campo basilar da educação, a bem-vinda democracia de 1974 acabe por ter conduzido a uma separação de classes mais nítida, que afinal é contrária à própria democracia. Daí a razão do título.
Tal como milhões de outros portugueses, frequentei a escola primária e a secundária antes do 25 de Abril - na realidade, muito antes. A minha instrução primária decorreu numa localidade a cerca de 70 quilómetros a norte de Lisboa. Recordo-me que as classes em que estive inserido contavam com vinte e tal alunos, ensinados por um único docente durante todo o ano lectivo. No ano seguinte, poderíamos continuar com o mesmo docente ou ter um outro a ensinar-nos. As turmas eram mistas e constituídas na sua maioria por rapazes e raparigas da terra. Famílias de diferentes níveis de riqueza e instrução mandavam os seus filhos para a escola. Iam os filhos do médico, do comerciante, do caixeiro, do vendedor de peles-de-coelho, do ferrador, do ferreiro, do taberneiro, etc. Para que não houvesse distinção no vestuário - embora o argumento usado não fosse este mas sim o de não sujar a roupa - , o Estado fazia com que todos os miúdos fossem para a escola vestidos com um bibe, geralmente aos quadradinhos azuis e brancos. A convivência entre rapazes e raparigas, filhos de famílias com características por vezes marcadamente diferentes, não causava problemas de monta. Pelo contrário, oferecia numerosas vantagens.
No liceu passava-se mais ou menos o mesmo, com a grande diferença de ser numa cidade e não em qualquer terreola de província. Lembro-me de ter tido como colegas, tanto no Passos Manuel como no D. João de Castro, rapazes e raparigas dos mais diversos estratos sociais. Convivi com muitos deles, conheci os locais onde viviam e, obviamente, constatei diferenças abissais. Dos Carriços aos O’Neill, dos Neri aos Malheiros, dos Portelas aos Morais Sarmento, dos Fogaça aos Figueira, dos Sousa Martins aos Litchfield, dos Dokarsky aos Zimmermann, dos Vieira aos Mota, aos Cadete e aos Silveira, havia de tudo: famílias ricas e pobres, umas vivendo em belas casas com óptimos jardins, outras mais modestas e ainda outras muitíssimo modestas. Enquanto uns colegas possuíam magníficos rádios com gira-discos, outros fabricavam eles próprios engenhosamente galenas para ouvir música e notícias. Enquanto uns, poucos, eram levados de manhã pelo chófer até ao portão do liceu, a esmagadora maioria chegava a pé, geralmente depois de uma viagem de eléctrico, autocarro ou comboio. Esta é a minha experiência. Entre 1945 e 1956, salvo erro.
Gradualmente após 1974, a escola democrática tem vindo a perder a democraticidade da sua antecessora. Tenho na minha rua uma escola primária - aquela onde aprendeu as primeiras letras o actual Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso - e sinceramente duvido que ele hoje enviasse os seus filhos ou netos para cá. Através das pessoas que esperam os miúdos à saída também noto diferenças, mas não me parecem muito notórias. Há, como seria previsível, mais nacionalidades do que antigamente: portugueses, angolanos, cabo-verdianos, brasileiros, ucranianos, indianos, romenos. Mas o que não vejo são os filhos dos mais ricos. Ou então sou eu que os não distingo e, devo dizer, distingui-los-ia melhor pelo facto de não usarem bibe.
Na escola secundária, a situação parece-me comparável à da primária. Por outro lado, existem muito mais escolas primárias e secundárias do sector privado. É nelas que se refugiam muitos dos filhos de famílias de maiores posses.
As razões desta evolução são muitas e ocuparia bastante espaço desenvolvê-las aqui. De qualquer forma, impressiona-me que, no campo basilar da educação, a bem-vinda democracia de 1974 acabe por ter conduzido a uma separação de classes mais nítida, que afinal é contrária à própria democracia. Daí a razão do título.
Sem comentários:
Enviar um comentário