5/03/2008

Lógica democrática

Há tempos, em conversa com alguém que foi ministro deste país, falei-lhe de uma coisa que, salvo erro, já abordei neste lugar uma vez: a discordância que se nota frequentemente entre o preâmbulo de um documento legal e o respectivo articulado. "Ingenuidade a sua", disse-me ele. "Você ainda não entendeu bem como é que a democracia funciona. De facto, a coisa passa-se mais ou menos assim: quando há problemas orçamentais ou determinadas pressões, sejam elas nacionais ou de origem estrangeira, preparamos um documento legal para acudir ao que é necessário fazer. O preâmbulo é fundamental, embora seja uma fachada em muitos casos, pois há coisas que não se podem dizer. Convém, portanto, que exista alguma elevação no teor desse preâmbulo, o qual deve falar em qualidade disto e daquilo e mencionar várias facetas socialmente nobres, fornecendo assim uma justificação que reunirá um consenso bastante alargado relativamente às medidas que vão ser prescritas a seguir. Quando o articulado está algo desfasado do preâmbulo é porque existiram a posteriori – mas também podem ter surgido a priori – interesses vários que se impuseram e que obrigaram o ministério em questão a fazer aqui e ali um tour de force. O sistema democrático tem de respeitar os eleitores, ou pelo menos alguns deles, e como tal aparecem alterações que se tornam necessárias. Mas quanto ao preâmbulo, só excepcionalmente é que ele é objecto de emendas."
Fala quem sabe.

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