6/23/2008

Da antecipação de vitória ao bem-te-dizia

Admito que seja a minha costela judaica a funcionar quando protesto contra alguém que proclama que determinada vitória está garantida. E protesto por duas razões. Primeiro, porque cantar de galo antes da consumação de uma vitória faz com que, em caso afirmativo, eu já não me regozije muito quando finalmente ganho. Fico privado desse real prazer. A outra razão por que essa antecipação me desgosta é também fácil de entender: se me mentalizei de que a vitória está no papo, no campo de luta não me vou esforçar tanto para vencer, tão convicto estou de que os ventos me correm de feição.
Ora, se o prazer (real) me vem de um denodado empenho para conseguir alcançar uma vitória, como poderei apreciar um prazer que é meramente virtual e surge antes de a vitória se concretizar?
Hoje em dia, o jornalismo abandonou o princípio da prudência de antigamente. Em tempos passados, os media evitavam criar frustrações nas pessoas, frustrações essas que são tanto maiores quanto mais alto se subir a priori nos cânticos de glória. Presentemente, a atitude dita positiva - que é, de facto, facilitadora - leva a que a maioria dos jornalistas dos vários meios de informação embalem numa espiral de euforia antes do evento ocorrer. E este evento tanto pode ser uma eleição política, um Prémio Nobel para um escritor português ou um campeonato de futebol.
É claro que o tam-tam dos tambores de vitória antecipada tocado pelos jornalistas tem uma clara finalidade: aumentar as vendas. Se um jornal se vende mais no dia seguinte àquele em que o Saramago ganha o Prémio Nobel de Literatura - na medida em que o comprador fica cheio de orgulho e quer saborear aquele momento de glória que sente nacionalisticamente também lhe pertencer -, é de admitir que vitórias proclamadamente antecipadas no campo desportivo também levem as pessoas compradoras de jornais a não quererem perder aquele pitéu que lhes vai encher a alma.
Terá sido Schlegel quem primeiro disse que os historiadores são os profetas do passado. Concordo. Mas profetizar o futuro, como muitos jornalistas pretendem, é que não me convence nada. Depois de fazerem o mal, fazem ainda a caramunha no caso de as coisas não correrem como pressagiaram. "Bem avisámos", dizem eles. E passam a uma análise dos contras, mostrando como é diferente a cor de um casaco quando virado do avesso. "Eu bem dizia que as coisas podiam correr mal." De súbito, o parágrafo que em reserva escreveram para terem algo em que se escorar na eventualidade de a coisa dar para o torto, vai substituir toda a imensa arengada de floreados e encómios que encheram anteriormente páginas e páginas da imprensa, programas de rádio ou de televisão. Esquecem que o amargo de boca que se sente em caso de derrota perdura muito mais tempo do que perduraria se o ambiente de euforia antecipada não tivesse sido criado. E, infelizmente, isso tem consequências no mal-estar que acaba por se gerar a nível geral.

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