6/09/2008

O portão

Há tempos assisti a uma cena que não deixou de me impressionar. Dois miúdos de mais ou menos quatro anos brincavam num quintal correndo alternadamente atrás um do outro. A certa altura, um deles, ao dar uma volta para se esquivar, bateu com a cabeça na porta metálica da garage que fica nesse quintal. Magoou-se um pouco, embora não o suficiente para fazer um galo. Ao ouvi-lo chorar, a mãe acorreu pressurosa a abraçá-lo.
Até aqui tudo bem. Só que depois a mãe disse para o filho: "O portão é mau. Bate nele. O portão bateu-te!"
O miúdo levantou a mão e desferiu duas palmadas tão fortes no portão que provavelmente o magoaram mais do que anteriormente a cabeça.
Eu não queria acreditar no que via e ouvia. Então, a culpa - se é que lhe podemos chamar assim - era toda do miúdo que tinha ido contra a porta, e agora era a esta que eram assacadas culpas? Para que não se admitisse que tinha sido o menino a provocar inadvertidamente o sucedido, descarregava-se a raiva em cima de algo inerte e imóvel?
Parece-me grave que se tente passar a responsabilidade a outrem - neste caso um objecto -, desculpabilizando assim a pessoa. A desresponsabilização do tipo "O meu filho não foi com certeza, ele não faz coisas dessas!" começa bem cedo e mantém-se até tarde em muitos casos. Acho-a preocupante.
Afinal, muito do comportamento da escola básica actual bebe as suas raízes em algo semelhante. Os meninos, por mais mal que façam as coisas, tendem a receber um "satisfaz" ou coisa que o valha. Nada de negativo, não vá a criança ficar com um trauma que lhe dure toda a vida!
Como professor, entendo e sempre pratiquei eu próprio o incentivo. Mas nunca compreenderei que um teste que, na escala de 0 a 20, mereça apenas um 6, venha a ser premiado com 10 ou 11. São três erros num: primeiro, dá-se ao aluno a perniciosa noção de facilitismo; segundo, é-se injusto perante o restante da turma; terceiro, ganha-se a (má) fama de professor-passador, o que pode atrair maus alunos no ano seguinte mas afasta os melhores e não se preocupa com a desejada excelência.
O resultado do facilitismo é a criação de uma nação educada para pensar muito mais em direitos do que em deveres, a trabalhar menos do que poderia e deveria, e a descarregar a sua raiva sobre o Governo ou qualquer "portão" do género.

Sem comentários:

Enviar um comentário