Em 1961, quando a Índia (então oficialmente chamada União Indiana) invadiu os territórios de Goa, Damão e Diu, há séculos ocupados pelos portugueses, o governo de Lisboa reagiu com uma intensa campanha que usou inúmeras frases contundentes, todas naturalmente contra a invasão. Uma delas, colada nas paredes de vários edifícios desta cidade, dizia: "Inqualificável o bárbaro atentado perpretado pela União Indiana". Recordo-me perfeitamente de ter parado a olhar para o papel e de ter pensado para comigo mesmo: "Esta é óptima! Apregoa-se que o atentado é inqualificável e depois na adjectivação chamam-lhe bárbaro."
Sempre houve políticos que tomaram as pessoas como demasiado saloias. Vem-me à cabeça um experiente praticante americano da mentira, que até foi presidente dos EUA e acabou destituído: Richard Nixon. Chamaram-lhe "Tricky Dicky", i.e. o Ricardinho dos truques. Na campanha eleitoral para a presidência, foram dele frases como esta: "Na presente campanha não vamos chamar nomes uns aos outros, vamos ser clean e elevados nos nossos argumentos." No dia seguinte insinuou que um dos seus adversários era maricas!
Dentro deste estilo, ocorre-me também o modus operandi daqueles oradores que começam por dizer "Eu podia dizer que o legado que me deixaram nesta presidência estava envenenado, mas não digo. Eu podia dizer que encontrei muita coisa mal deixada pela presidência anterior, mas não digo. Poderia ainda dizer que cheguei a ficar cansado de ouvir dizer tanto mal da Direcção que me precedeu, mas isso é algo que não digo. Estou aqui apenas para trabalhar e não para entrar no reino da má-língua. De resto, precisamos de actos e não de palavras!"
Quantas vezes já ouvi coisas destas? Quantas vezes as irei ainda ouvir e ler? Com ligeiras variantes, vai tudo dar sempre ao mesmo. Vende-se a mentira como verdade. Como assim? Já não há mentiras! Presentemente diz-se "a comunicação oficial contém algum distanciamento da verdade". É mais eufemístico.
Lembram-se daqueles produtores cinematográficos que, postos perante a necessidade legal de colocar nos filmes a data de finalização dos mesmos, recorreram à solução de escrever os números dessa data não só em caracteres pequenos como, ainda por cima, em algarismos romanos? Quem os ia ler?
Há muitas maneiras de matar pulgas. No fundo, o que interessa é que elas fiquem mortas para não nos chatearem mais.
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