6/27/2008

Os garranos também se abatem




A notícia do abate de quatro garranos no concelho de Melgaço, a tiros de caçadeira, impressionou-me e trouxe-me inevitavelmente uma série de eventos à memória. Na última vez que estive nas Terras de Bouro e no Gerês, deliciei-me com o espectáculo dos cavalos à solta, inédito para mim em Portugal. Fui de imediato transportado em pensamento até terras de África, com outros animais como palancas, gazelas, veados e antílopes que vi inúmeras vezes a fruir todo o prazer da liberdade. Selvagem e primitiva. No Gerês, soube-me muito bem estar junto dos garranos, vê-los correr à desfilada, deparar com as suas silhuetas bem recortadas contra a linha do horizonte. Agora, de súbito, vem a notícia do abate. E, na continuação da notícia, vem a informação de que no concelho de Paredes de Coura foram mortos outros dez garranos no princípio deste mês.
É a luta entre o homem e os animais. Quando os lobos descem ao povoado, por que razão o fazem? Obviamente, porque têm fome. E por que razão têm fome? Porque a natureza lhes é adversa e os homens lhes matam a caça que é o seu alimento habitual. Javalis, pequenos animais selvagens e outros bichos deixam de ser presas do lobo para serem presas do homem. Nessa altura, os lobos atacam a aldeia em busca de alimento. É a sua luta pela sobrevivência.
Em África, muitos dos animais que nós, europeus, pretendemos preservar, destroem as lavras dos nativos. O rinoceronte preto só foi conservado num determinado país africano porque foi criada uma reserva de turismo e houve possibilidade de melhorar a vida dos cidadãos cujas aldeias ficavam dentro da reserva. Que motivação tinham os nativos anteriormente para não matarem o rinoceronte preto, que lhes arrazava o que eles tinham plantado por gosto e necessidade? Além disso, caçadores furtivos ganhavam fortunas com a venda do "corno mágico" do rino.
Pelo que leio, o caso dos garranos não sai muito deste mesmo sistema: o homem alarga os seus terrenos de cultivo e entra em colisão com os cavalos semi-selvagens que os garranos são. Estes, no seu cavalgar pelas terras fora, podem de facto destruir as culturas dos agricultores, os quais, por seu lado, entraram resolutamente por terras ainda não cultivadas em busca de mais rendimento.
Este aspecto da luta é, aliás, mais vasto: entre o homem e o homem. Quando os nativos da actual Namíbia foram quase dizimados pelos alemães no início do século XX, quando os americanos mataram milhares e milhares de índios para lhes roubarem as terras, quando os nativos da Nova Zelândia sofreram um morticínio terrível às mãos dos colonizadores, quando os aborígenes australianos quase foram extintos para que os emigrantes britânicos pudessem viver melhor, quando os americanos atacaram o Iraque para poderem aumentar a sua riqueza através do petróleo, em todos estes casos e decerto em muitas centenas de outros ao longo da História, que temos senão o mais forte a dominar e a abater o mais fraco?
Tudo isto é verdade, mas mesmo assim não posso deixar de lastimar a morte destes magníficos garranos.

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