6/04/2008

MFL

A vitória, embora magra, de MFL nas eleições do seu partido permite-nos levantar a questão de mentalidades diversas. Dificilmente se encontrariam posicionamentos tão diferentes relativos a mediatismo como o de MFL e de Santana Lopes, por exemplo. Mas há, evidentemente, mais: MFL remete-nos para uma visão da vida mais prudente, mais pensada, e menos descontroladamente práfrentex. Como há dias um articulista lembrava, não se trata de voltar à prática de Salazar de criar galinhas num recanto dos jardins de S. Bento. Mas é, mesmo assim, de uma questão de poupança e de não-esbanjamento; e também aquilo que se resume no clássico "Fia-te na Virgem e não corras!"
Sem quaisquer parentescos partidários, sou da geração de MFL. A taxa de poupança portuguesa era, noutros tempos, desmesuradamente alta se estabelecermos uma comparação com a dos tempos de hoje. Havia, certamente, também endividamento por parte de algumas pessoas, mas esse endividamento não atingia nem de perto nem de longe as proporções actuais.
Gastos desajustados para os salários auferidos são presentemente coisas extremamente comuns num casal. O automóvel e a casa a prestações, indolores compras de diversa ordem feitas com cartões de crédito, tudo isso em larga escala não poderia deixar de desequilibrar famílias e o país. Nem a Virgem pode ajudar num caso destes. Parafraseando o que Fernando Pessoa dizia relativamente a Cristo: "Não creio que a Virgem perceba muito de Finanças!"
Aparentemente, a escolha agora feita pelos militantes do PSD representa um pedido de lei e ordem, disciplina - férrea, se necessário. No fundo, é o mesmo tipo de atitude que grangeou aplausos à entrada de Sócrates e alargou sobremaneira o período de estado de graça em que ele viveu.
Uma das histórias infantis mais populares de antigamente era a da Carochinha. Hoje, o Capuchinho Vermelho, com toda a manha do lobo, leva-lhe a palma. Assim como o Rei Leão. E outras em que a força e a manha são reconhecidas como factores importantes. A Carochinha, lembremo-lo, tinha encontrado - por puro acaso - uma moeda de ouro. Sendo impossível de identificar a quem a moeda pertencia, a carochinha chamou-a sua. Como resultado, era agora rica. Ia ser ela a escolher o seu futuro marido. Fez desfilar perante a sua janela os mais diversos animais seus pretendentes. Por uma razão ou outra foram todos sendo rejeitados. Até que apareceu o pretendente ideal: era aplicado, trabalhador, não incomodava. Era o João Ratão. Só que mesmo os animais aparentemente ideais têm as suas fraquezas! O bom do João Ratão foi ambicioso em excesso. Tentado por uma comida apetitosa que fumegava na cozinha, zás!, perdeu o equilíbrio, e morreu "cozido e assado no caldeirão". Estão aqui nesta historieta alguns dos ingredientes virtuosos da época - amor pelo trabalho, não incomodar os outros, ser pequenino sem se importar com isso, ser humilde. Com o aviso final: cuidado! Há sempre o perigo de não conseguirmos resistir às tentações: a ambição desmedida pode ser fatal. E neste caso terá mesmo sido.
Hoje em dia, quem não tem ambição sofre de doença grave. Não vingará de certeza na vida. Precisamos de competir sem nos contentarmos em sermos o segundo ou o terceiro: só o primeiro lugar conta. "Quem foi que descobriu o caminho marítimo para a Índia?" "Vasco da Gama!" "Correcto. E quem foi o segundo?" "Não sei!" "Claro! Só o primeiro é que passa à História, o segundo não conta!"
É assim! Não deixes que os outros te ultrapassem. Se praticas a humildade, estás lixado. Não te esqueças de que se for preciso jogar sujo, joga sujo. De outra forma não vais lá! Mesmo que não tenhas dinheiro agora, encontras sempre um banco amigo que to empresta. Os juros e os diversos truques praticados talvez fizessem corar de vergonha alguns dos judeus de antanho, mas agora estamos noutro tempo. O que conta é o futuro. Pr’á frente é que é!
MFL não é "BdE" (bota-de-elástico), mas parecerá a muitos que sim. Impor restrições é idiota. Poupar dinheiro para quê, se depois vêm os outros e o espatifam todo? Ora bem, talvez fosse por possuir a sua mentalidade "antiquada" que MFL protestou veementemente contra o que este governo fez aos certificados de aforro. Disse-o claramente: o governo está a destruir cada vez mais o sentido de poupança do povo. E, verdade seja dita, não o afirmou por estar sistematicamente contra a governação do partido adversário. Pelo contrário: para arrelia de muitos dos membros do seu próprio partido, tem elogiado vários actos da actual governação.
Não deixa de ser interessante observar este choque de mentalidades no Portugal 2008.

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