10/19/2008
Fim-de-tarde na Alameda
Morar junto à Alameda Afonso Henriques tem imensas vantagens. Uma delas é a de poder numa tarde de domingo como a de hoje sair de casa e dar logo uma rápida espreitadela a ver como estão as coisas por lá. E aí alegra-se a alma. Sol lindo, céu com nuvens de um lado e absolutamente limpo do outro. A relva, que já cresceu bem depois das pequenas chuvas que têm caído - ontem foi o dilúvio, mas digamos que foi a excepção - brilha ao sol e fica bonita como pano de mesa colocado para vários grupos de rapazes e homens que, na sua maioria, jogam futebol. Num flash de memória voo até ao tempo da minha juventude. Não seria decerto permitido pisar a relva. Muito menos jogar à bola sobre ela. Os jardins e parques nacionais eram para ser mantidos totalmente impecáveis, mas também sem grande uso pelas pessoas. Estas sentar-se-iam nos bancos ou espalhar-se-iam por ali – mas não em cima da relva! Esta é a primeira grande diferença que noto. Mas existem tantas outras! Os fatos cinzentos dos homens, com a clássica gravatinha, desapareceram por completo neste domingo ensolarado. Hoje, o O’Neill já não escreveria "Portugal, país engravatado todo o ano e a assoar-se à gravata por engano". Hoje há cor: as bolas com que se joga são de vermelho vivo, de amarelo garrido, brancas-e-pretas, verdes. As raparigas jogam no meio dos rapazes, e têm mais habilidade que alguns deles. Há camaradagem a sério. E uma sociedade profundamente heterogénea no que respeita a nacionalidades. Aqui estão indianos a jogarem o seu jogo favorito – o cricket -, estão brasileiros com as suas T-shirts canarinhas, africanos de Angola, de Cabo Verde e de Lisboa, ucranianos, romenos e russos. A tarde continua linda, já com algumas sombras a cair. Junto aos muros que bordejam a Alameda as buganvíleas brilham ao sol. As habituais mesas debaixo das árvores estão repletas de jogadores de sueca, reformados que aos domingos não sabem mesmo o que hão-de fazer senão isto. Quatro estão sentados, um em cada lado da mesa, os outros acotovelam-se para ver as jogadas. Mas há também quem, melancolicamente, se arrime a um banco, meditando e sentindo a vida a escorrer-lhe pelo corpo abaixo minuto a minuto. Os mais pequenos brincam dentro da área do pequeno parque dos baloiços e dos escorregas, com as mães do lado de fora a não pararem de lhes gritar indicações desnecessárias. A algazarra é muita. Mas os bancos também convidam aquele casal além para namorar, os mais velhotes a darem dois dedos de conversa, e os turistas a observarem o panorama ao mesmo tempo que tiram umas fotos. Ali, quatro rapazes mais velhos, transpirados, fazem uma pausa no jogo para tragarem uma sandocha e fazê-la acompanhar por uma bejeca geladinha. Chegam dois cães a correr. Um miúdo foge espavorido julgando que é ele o alvo. Mas a cãzoada está apenas feliz na sua liberdade. Passa uma mulher imensa, brazuca pelo sotaque, a falar ao telemóvel. Aqui há miúdos pequenos, de uns sete ou oito anos, a fazerem o seu jogo. Quase a sério. O pai de um deles trouxe de casa duas balizas de hóquei, equipadas com redes e tudo. O jogo é de futebol. Também com raparigas à mistura. A Fonte Monumental, com as suas belas tágides e o lindo cavalo ao centro não pára de jorrar água. Um velhote sentado no murete que circunda a fonte ouve o seu telemóvel tocar, atende, mas protesta que não consegue ouvir nada. Vai ter que escolher entre o ruído da fonte e a chamada telefónica. Eis que chega agora o arco-íris! Não pode começar a chover, dizem. O céu não tem a mesma opinião. Não é chuva a sério, mas os pingos são bem grossos. O arco-íris está lindo, faz a volta completa mesmo por cima da fonte. Do outro lado o sol brilha ainda em pleno. As pessoas hesitam. Passado um pouco, começa a debandada geral. Este Outubro é um pouco traiçoeiro. Os bebés não podem molhar-se. Pais chamam os filhos, acaba a brincadeira. "De qualquer forma a relva vai ficar molhada e isso não é bom." Ala, que se faz tarde! Os putos que têm andado sempre ali às voltas nas suas bicicletas pelo lado do cimento dão umas pedaladas mais fortes. Está também a anoitecer. Acaba a algazarra por hoje. No próximo fim-de-semana há mais.
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