Alguns dos meus familiares e amigos já me têm dito que tenho uma memória de elefante. Confesso que não sei se têm razão. Pressinto que o que sucede é que quando evoco um episódio que eventualmente vivi em conjunto com quem me está a ouvir, essa pessoa não se lembra do que aconteceu ou tem apenas uma ideia muito vaga. Em face do facto de não se recordar, lança-me à cara a história da memória de elefante. Com isso passa a considerar o seu esquecimento do dito episódio como um facto banal - que o é - e elefantiza-me.
A verdade parece-me ser outra. Há coisas que outros nos contam e de que não nos lembramos minimamente ou temos apenas uma ideia nebulosa. Na realidade, nós recordamo-nos das coisas que provocaram em nós, na ocasião em que ocorreram, um afluxo especial de adrenalina. Por uma razão ou por outra. Apesar de serem iguais uns aos outros em muitos aspectos, os seres humanos diferem também notoriamente. Logo, algo que impressionou uma pessoa e se tornou inesquecível pode perfeitamente ter sido totalmente ignorado por outra que estivesse presente. Porquê? Simplesmente porque não a impressionou.
O que me leva a falar do assunto, porém, tem a ver com o déjà vu. Se é a novidade que nos provoca a grande variedade da vida, não dispormos dessa variedade leva-nos a bocejar perante o rotineiro e consabido. É por este motivo também, como é evidente, que rememoramos uma viagem a um país ou região que anteriormente não conhecíamos.
A memória divide-se, suponho eu, em dois grandes tipos: a da realidade e a da ficção. Consoante as nossas características pessoais, tendemos a fixar mais ou episódios reais ou os de ficção. Devo admitir que relembro razoavelmente a realidade mas tenho a tendência para esquecer a ficção – seja ela em livros, em teatro ou cinema. Embora tenha lido Os Maias três vezes – e nunca por obrigação escolar – sinto que não seria neste momento verdadeiramente capaz de reproduzir as características ou mesmo os nomes de muitas das personagens. Ressalvaria apenas os dois protagonistas. Mantenho, porém, uma óptima "impressão" do romance, assim como de vários outros.
Ora, este esquecimento da ficção é muito conveniente, como ainda hoje tive oportunidade de experimentar. A Cinemateca apresentava um filme que vi há cerca de 40 anos. Tinha desde então ficado com a ideia de que se tratava de um filme bastante interessante. O titulo? "Testemunha de Acusação". Resolvi rever o filme, aguardando que determinados passos me fizessem recordar o enredo. Qual quê! O memória-de-elefante estava absolutamente em branco. Longe de me assustar ou surpreender, regozijei-me. Estava a ver o filme como se fosse a primeira vez! Qual déjà vu! Os rostos do Tyrone Power, da Marlene Dietrich e do Charles Laughton eram-me familiares, mas também os vira em montes de outros filmes. Foi um prazer enorme chegar ao fim e poder usufruir a sensação de novidade total.
Fiquei assim a saber, com satisfação, que possuo esplêndidas oportunidades de rever bons filmes. Em vez de lastimar a não-retenção das imagens, antevejo a possibilidade de experimentar sensações que, muito possivelmente, há alguns anos senti de forma semelhante, embora com outra idade. E quando na nossa memória os itens estão classificados do lado dos bons, vale sempre a pena revê-los! Apetece-me comentar, positivamente, que neste caso a natureza está do nosso lado!
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