10/23/2008

Mais uma questão de ética deplorável


Nos anos 60 do século passado, americanos e ingleses estiveram na primeira linha das nações que exigiam a descolonização. "África para os africanos" foi o seu slogan principal. Por seu lado, "independência" e "libertação" eram as palavras que mais ressoavam no grande areópago das Nações Unidas em Nova Iorque.
Ontem, a britânica Câmara dos Lordes deu o seu parecer relativamente a um caso que ocorreu exactamente entre 1967 e 1973. Não se tratou de nenhum acto de independência, libertação ou descolonização. Pelo contrário. O que se passou foi a expulsão pura e dura dos habitantes nativos das suas casas e terras em ilhas que em certa medida se assemelham às paradisíacas Maldivas e não ficam longe destas. As ilhas Chagos constituem um arquipélago de atóis no meio do Oceano Índico. Nos anos 60 já eram território britânico. Um entendimento entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, as duas grandes "nações descolonizadoras", fez com que a maior das ilhas - Diego Garcia - fosse concessionada aos americanos para estabelecimento de uma base militar. Na altura dizia-se que as ilhas eram atóis praticamente desertos. Afinal havia pelo menos duas mil pessoas a viverem lá. Contra indemnizações que muitos acabaram por não receber, os nativos foram enviados para outros locais. Alguns deles foram convencidos a irem passar férias fora, com a oferta de um bilhete. O problema é que esse bilhete não contemplava a viagem de regresso. Em 1973 completou-se a total desafectação das pessoas do arquipélago. Diego Garcia, a ilha mais a sul e hoje uma das maiores bases aéreas dos americanos em todo o mundo, pronta a actuar em conflitos na Ásia ou em África, foi entretanto convenientemente apetrechada. Nela convivem cerca de dois mil militares, ao lado de bombardeiros de longo raio de acção e aviões de vigilância e controlo. Constitui, aliás, pedra basilar para ataques aéreos ao Afeganistão e ao Iraque.
Os 500 antigos habitantes que ainda estão vivos, juntamente com quatro mil descendentes, pretendem voltar às suas terras. Há oito anos conseguiram que o Supremo decidisse que os expropriados podiam voltar a todos as ilhas, com excepção de Diego Garcia. O veredicto final pertenceria, no entanto, à Câmara dos Lordes. Ora, os mesmos países que apoiaram os judeus no seu regresso à terra prometida de Israel recusam categoricamente o regresso destas pessoas. Os mesmos países que repetidamente trompetearam através dos seus media a urgência da independência de tantos povos acabaram por fazer pior do que o oposto daquilo que proclamavam. A Câmara dos Lordes deu ontem razão ao governo britânico: os habitantes de Chagos estão proibidos de voltar ao seu arquipélago. Na votação final, o júri assim o decidiu, por três votos contra dois.

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