A Conferência Gulbenkian que a Fundação voltou a realizar este ano (ontem e hoje) foi bastante interessante. É um verdadeiro privilégio poder ouvir conferencistas de nível muito aceitável vindos de várias partes do mundo. Este ano, a temática da conferência perguntava "Podemos viver sem o outro?" e abordava as possibilidades e os limites da interculturalidade. Dado que o keynote-speaker era um conceituado indiano que presentemente trabalha em Nova Iorque e também na sua cidade-natal (Bombaim), sucedeu que pelo menos três dos oradores vinham da Índia. Esse facto acabaria por proporcionar algo curioso no dia de hoje: depois de o conferencista de abertura se ter referido ontem aos riscos inerentes ao diálogo entre pessoas e nações de culturas diferentes, uma escritora católica indiana abordou hoje alguns pontos de fractura na Índia dos nossos dias. Contemporizador, o keynote-speaker interveio no final da comunicação da sua compatriota para sugerir que talvez não fosse tanto assim. Começou aí um vivo diálogo/debate intracultural que levou a óbvia discordância. Se a questão é assim entre pessoas da mesma cultura, quanto mais difícil não será o diálogo entre pessoas de culturas diferentes!
A este propósito, uma professora de Estudos Islâmicos do U.S. Army War College foi muito contundente no que toca à política americana em países muçulmanos. Esclarecendo que falava em nome pessoal - ela própria é muçulmana -, denunciou o erro de práticas implementadas pelos Estados Unidos no Iraque, Síria e Irão pelo desconhecimento do "outro". Enumerou em detalhe uma série de pontos que lhe permitiram concluir aquilo que, afinal, o senso comum nos diz: Whatever is imposed is opposed.
A existência de limites no diálogo entre culturas diferentes acabou por ser um dos tópicos principais da conferência, pelo menos na parte a que assisti: para que conversas e negociações se possam efectuar produtivamente torna-se necessário que os itens de extrema diferença não sejam lançados para a arena. Caso contrário, isso implicará uma sempre indesejável fricção e ruptura, com atitudes fundamentalistas a surgirem de um lado e do outro.
Uma anotação que faço com todo o prazer relativamente às intervenções da assistência portuguesa é que na sua maioria foram curtas, inteligentemente incisivas e, além disso, em inglês fluente. São perfeitamente visíveis as vantagens dos numerosos intercâmbios e cursos no estrangeiro em que estudantes, professores e outros profissionais participam. Os horizontes estão a alargar-se, uma parte da sociedade portuguesa está claramente mais aberta, e dá-me um gosto especial poder testemunhar este desenvolvimento.
P.S. À noite, foi passada uma série de 18 filmes curtos, documentários com cinco minutos de duração cada. Os filmes foram especialmente encomendados pela Fundação e, francamente, só apetece ter em casa um DVD com aquelas pérolas. Dentro do mesmo tema da conferência, os documentários são muito diversificados e interessantíssimos, com contributos bem realizados por portugueses, japoneses, brasileiros, canadianos, mexicanos, croatas, chineses, iranianos, sérvios, coreanos, argentinos e namíbios. Uma volta ao mundo. Tão longe, tão perto!
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