Embora sem sol forte, o penúltimo sábado deste Outubro esteve bonito. Fui-me a ver o mar, que é como quem diz apenas o rio Tejo, que de mar apenas tem o sal que entra por ele adentro. O Parque das Nações, com a sua passarela de madeira entre o Tejo e o laguinho do Oceanário, é um dos meus passeios favoritos. Daí, o rio é suficientemente largo para me dessedentar do Atlântico e a zona é no geral muito aprazível. A temperatura estava um pouco mais elevada do que eu esperava, o que me levou a sentar uns minutos à sombra na bancada de pedra que corre ao longo do laguinho. Pus-me a ler um artigo interessante da Newsweek. Pouco tempo depois, sentou-se no mesmo muro uma moça de 19 ou 20 anos, que trazia pela trela um cão preto, peludo, de tamanho médio. Retirou a trela da coleira do bicho e deixou-o andar à solta por ali. Gostei do gesto. Porém, ela não demorou a levantar-se de um salto. “Núria!”, gritou. Percebi que afinal ela era dona não de um cão mas de uma cadelita. “Núria!” A moça não conseguia descobrir o animal. Correu entretanto para a direita e para a esquerda, até que divisou a sua Núria... dentro de água. (Está ali postado um aviso informando que é proibido tomar banho, mas não está escrito em linguagem que cão perceba. E, se for um cão de água, como Núria era, então a atracção do elemento líquido pode ser fatal.)
A rapariga sentia-se perdida. O que fazer? Ligou o telemóvel para casa, mais a contar a sua aflição do que a pedir auxílio. Implorou a uma pessoa que passava por ali para avisar os responsáveis do Parque. Entretanto, a sua Núria já tinha nadado por debaixo da passarela de madeira e passado para o rio aberto. Crescia a angústia da rapariga, talvez na razão inversa do prazer que a sua Núria sentia por se poder deliciar naquelas águas. Estava no seu elemento. Os chamamentos "Núria!", "Núria!" mantinham-se incessantes. O bicho virava a cabeça de vez em quando, mas continuava no seu feliz vaivém. Até que, passados uns largos minutos, resolveu chegar-se de novo à amurada. Sucede que esta amurada, relativamente alta e bem construída para resistir às marés mais elevadas, possui uma notória inclinação e corre ao longo de mais de um quilómetro. A Núria tentou subir. Em vão. As patas não aderiam devidamente ao escorregadio da pedra. Em busca de um sítio mais acessível para trepar, o animal foi nadando ao longo do muro, sempre com a dona, que entretanto saltara o gradeamento para o lado do rio, a chamá-la. Após mais uma tentativa infrutífera, o bicho regressou, sempre a nado, à zona da passarela de madeira. Aí, a rapariga pensou em atirar-lhe a trela para que o animal a abocanhasse e conseguisse subir. O bicho pegou-lhe, de facto, mas depressa a largou. Então a moça, sempre do lado de fora do gradeamento, agarrou-se a uma das barras deste e tentou chegar-lhe. Estava muito longe. Veio então o bonito socorro. Um rapaz brasileiro que passeava na zona com um amigo saltou depressa o gradeamento e, como era alto, agarrou na mão da moça para descer mais perto da água. Nem mesmo assim lá chegou. Só que a cadeia humana aumentou. Uns terceiros braços estenderam-se ao rapaz, enquanto a moça descia ela própria já para bem perto da água, segura por um braço. Aí, o cão de água fez um grande esforço para sair do seu elemento natural e a dona logrou apanhá-lo pela coleira. Depois de um enorme abraço e beijos num pêlo molhado, ela passou a cadelita para a pessoa acima e um outro rapaz colocou o bicho em terra firme. A dona estava exausta: depois daquela auto-injecção de adrenalina, teve literalmente que ser içada por braços solidários. Tinha tido uma pequena aventura e um enorme susto. Ficou, além disso, a saber o que é isso de crença natural de uma cadelinha como a sua Núria. No restante, foi bom ver a solidariedade activa das pessoas. Nem sempre tudo é mau na vida, nem acaba mal.
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