10/11/2009

Vícios e Virtudes

Tem sido mil vezes repetida a frase de John F. Kennedy dirigida aos cidadãos americanos "Não perguntem O que é que o Estado pode fazer por mim?, mas sim O que posso eu fazer pelo meu país?" Porém, não creio que, apesar da insistência, ela tenha sido interiorizada em Portugal. É frequentíssimo encontrarmos portugueses que adoram dizer mal daquilo que vêem ser feito no seu país. Tipicamente, diz-se que eles encontram defeitos em tudo. O alvo das suas críticas situa-se principalmente ao nível daqueles que os governam, seja a nível nacional, seja municipal ("a culpa é do...").
Quem pretenda analisar o seu posicionamento, reparará que essas pessoas se comprazem em estabelecer um cotejo entre o que acham à sua volta e aquilo que as suas utópicas expectativas desejariam. Às vezes, mau-grado a sua idade e experiência de vida, esses indivíduos mantêm um discurso perfeitamente ingénuo relativamente à natureza humana. Embora saibam que não é assim, partem do princípio de que a natureza do homem é perfeita e acreditam que é possível moldar os homens para padrões de rectidão de princípios e práticas. Com essa alteração, tudo se transformaria num paraíso terreno. Ora, se uma parte significativa do seu desagrado provém da sua sã e bem intencionada imaginação, uma outra parte advirá duma impaciência natural da idade, que os faz desesperar pelo pouco tempo que têm para ver concretizados os seus anseios. Quanto mais tiverem a sensação de que o seu tempo está perigosamente a encurtar, tanto mais cresce a sua angústia e mais se encarniçam na sua luta feroz.
Há muito de naïveté nesta atitude. Ao não quererem admitir que a natureza humana inclui perversidade q.b. e ao não julgarem com objectividade o efeito do poder sobre quem o detém, incorrem nas suas investidas, geralmente bem sucedidas, de encontrarem erros na governação, as quais depois, ventilam com sinceridade para os outros.
Esquecem, natural e humanamente, todas as facetas boas. Ignoram as comparações com países ou regiões que estejam bem piores em termos de desenvolvimento. Não é para baixo que o seu pensamento se debruça. Os termos de comparação que procuram são sempre não só mais elevados, como estão utopicamente mitificados e perfeitos, como se isso fosse humanamente possível. Foi daqui que nasceram os grandes crentes na China maoista, na União Soviética estalinista, no Portugal de Salazar ou na imaculada América. Um conhecimento in loco destas paragens e desses tempos cedo dissiparia convicções profundamente arreigadas. Por todo o lado há homens e, como o ditado diz, "onde o homem põe a mão, tira Deus a virtude". Principalmente quando essa mão está no poder.
Logo que se contacta materialmente o sonho sonhado descobrem-se nuvens que nos sonhos não cabiam. Quanto mais aprofundamos os nossos conhecimentos, mais notamos que onde algo se tapa, há sempre uma parte que se destapa.
Ora, quem conhece bem o seu país se só o seu país conhece? Quem pode falar do seu Portugal sem conhecer os pontos negros, que também os há, da Holanda, da Suiça ou da Alemanha? Se Portugal é tão mau, por que motivo haverá alguns suecos que adoram viver neste país? Dir-se-á: porque levam uma vida boa. Porque são, por exemplo, engenheiros, e para eles não há dificuldade em comprar boa comida e óptima bebida, em ter uma casa aprazível e um bonito automóvel. De que se podem queixar?
Pois sim, mas os insatisfeitos, os que estão constantemente à espera de um Messias redentor, de um político salvador, desesperam invariavelmente e expressam o seu descontentamento com desusada frequência. Geralmente não notam, tão enebriados que estão no seu fundamentalismo, que ao dizerem repetidamente mal do seu país e ao fazerem pouco ou nada para corrigir esse mal, outra coisa não fazem do que contribuir para uma atitude negativa, algo que se dispensa em Portugal, que precisa mais de gente que o levante e faça coisas úteis.

P.S. Entretanto, parafraseando Benjamin Franklin, admito que a maioria dos portugueses procura nos outros mais os vícios do que as virtudes. E em si próprios, procuram os vícios? Também eu já me tenho apanhado a verberar impiedosamente contra uns tantos governantes. Desculpo-me, como todos nós afinal nos desculpamos, por estar a defender valores que vejo corrompidos. Ergo-me, mais do que contra pessoas, contra o mau exemplo que dão, contra a prática do compadrio, da fraude, da mentira – numa palavra, contra a sua falta de ética. É difícil, e até nefasto, ficar calado em casos desses. Serei também um desses ingénuos e bem-intencionados utopistas, apesar do que atrás escrevi?

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