10/07/2009

Migração com E- e com I-

Apesar de todos sabermos que as migrações são de todos os tempos – por exemplo, por que razão têm os índios americanos o mesmo tipo de olhos dos asiáticos?, porque há tantos brancos em terras primitivamente habitadas por índios (v.g. Estados Unidos e Brasil)? – nunca a migração de pessoas atingiu as proporções dos dias de hoje. Em Portugal, qualquer dia começamos a habituarmo-nos a distinguir as pronúncias brasileiras de Minas Gerais das de Goiás ou de Mato Grosso.
Para nós, portugueses, é algo de estranho encontrarmos tantos estrangeiros a residirem em Portugal. Porquê? Porque o nosso hábito foi sempre o de emigrar. Comunidades portuguesas em Toronto, Montreal, New Jersey, Newark, San Diego, Rhode Island, na Venezuela, na África do Sul, em França, na Alemanha, no Luxemburgo, na Holanda, na Suiça, em Inglaterra é coisa que não falta. Emigra-se em busca de melhores condições de vida, emigra-se para fugir à pobreza, ao recrutamento para a guerra, a uma prisão iminente. Com três milhões de braços válidos a deixarem Portugal na década de 60 e início da de 70 do século passado, temos plena consciência do fenómeno.
Os anos 90 apresentaram-nos um pouco do reverso da medalha: a imigração. A guerra que se manteve em África no pós-1974 trouxe-nos largas quantidades de angolanos e angolanas. A seca e uma generalizada falta de trabalho em Cabo Verde fizeram desembarcar nestas paragens muitos caboverdianos. A desintegração da União Soviética e a situação precária de várias economias que entretanto procuravam mudar de agulha fizeram com que muitos ucranianos, moldavos e romenos arribassem a Portugal. Deu-se uma notória hemodiálise humana nos principais centros, grandes estaleiros de obras. De 0,4 por cento de emigrantes com que contávamos em 1960 passámos para 7,2 por cento em 2005. A percentagem já deve ter subido entretanto. As últimas levas têm sido de brasileiros, que hoje constituem já a comunidade estrangeira mais numerosa em Portugal. Do leste europeu, muitos regressaram aos seus países de origem, outros assentaram arraiais nesta terra, talvez para sempre.
Mas significará isto que parou a nossa emigração? De modo nenhum. Por cada 15 novos imigrantes que chegam, saem 100 portugueses para o exterior, informa-nos o Instituto Nacional de Estatística. (A situação é bem diferente daquela que o saudoso Raul Solnado costumava parodiar: "Nasci numa aldeia que tinha sempre a mesma população. Quando nascia uma criança, fugia um homem!")
Entretanto, a notícia chega-nos trazida pelo Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH): "Portugal é o mais generoso entre todos os países do mundo em matéria de políticas de integração dos imigrantes." Distinção algo inesperada, sem dúvida, mas bem-vinda. Isabel Pereira, especialista em políticas do Gabinete do citado RDH, é franca e explica que a análise foi feita basicamente sobre o quadro jurídico. Muitas das iniciativas adoptadas datam 2007. "Como são muito recentes, é cedo ainda para avaliar a sua aplicação e a sua eficácia."
Fez bem Isabel Pereira em dizer o que disse. Foi honesta. É que as associações de emigrantes continuam a falar de um tipo de escravatura moderna que afectaria cerca de 50 mil imigrantes não legais. O grande Montesquieu (1689-1755) era um homem avisado. Legou-nos uma importante mensagem: "Quando visito um país, não verifico se nele existem boas leis, mas sim se as que existem são implementadas. Boas leis há-as em toda a parte." Ele aplaudiria as reservas de Isabel Pereira.
De facto, muito embora eu conheça pessoalmente imigrantes que estão perfeitamente integrados no nosso país e que se sentem felizes por viverem aqui, há outros que são francamente explorados. Recebendo, quando recebem, pouco dinheiro pelo seu trabalho, sem segurança social e com total precariedade, eles fazem a delícia de múltiplos empresários portugueses. Estes, conseguindo escapar-se de várias formas a uma fiscalização que é insuficiente ou pouco actuante, sentem-se orgulhosamente integrados no grandioso movimento conhecido por globalização e acabam por praticar o inverso da deslocalização das suas pequenas empresas para o estrangeiro. No seu caso, são os trabalhadores baratos que vêm até eles. E proporcionam-lhes bons lucros.

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