Mote: (Do comentário de AJMS a um texto deste blogue): O dono de um restaurante exótico, imigrante pleno de iniciativa, dizia-me que Portugal proporciona poucas oportunidades de investimento, não cria perspectivas, tem uma população escassa, que definha e desaproveita capacidades! Como solução, aconselhava um programa de imigração a sério. Achei a ideia óptima e lembrei-me logo dos níveis de crescimento que outros países, noutras épocas, conseguiram à custa de intensos e bem planeados programas de imigração, dinamizando a economia e a comunidade em geral.
Glosa (ma non troppo): Há cerca de 40 anos, uma funcionária da instituição de ensino onde eu então trabalhava, pediu-me ajuda. O marido e ela estavam a pensar em emigrar para a Austrália. A ajuda que me era pedida consistia na tradução dos requisitos necessários para a emigração e também, em certa medida, algum aconselhamento. Falámos mais do que uma vez sobre o assunto, conheci o marido dela, que era serralheiro mecânico e me pareceu um bom profissional. Ajudei com uma carta de recomendação pessoal, outra do director da escola e, como não poderia deixar de ser, no preenchimento do formulário em inglês. Ao ler as várias alíneas deste último, constatei que existia toda uma série de especificações. Estas especificações só podiam resultar de um plano bem elaborado pelas autoridades australianas. O plano era real – e realista. A especialidade de serralharia do indivíduo português era uma das carências que o país tinha. O casal, com a sua filha ainda pequena, foi aceite. Quando chegaram à Austrália, foram encaminhados para uma determinada povoação. A miúda foi integrada no ensino básico, o homem arranjou trabalho, a mulher ficou mais a zelar pela casa. Cerca de dez anos depois, vieram a Portugal e visitaram a instituição onde eu continuava a trabalhar. Contaram-me maravilhas do seu novo país. Gostavam da sua vida, sentiam-se felizes e, o que é mais, tinham a sensação concreta de que em Portugal nunca poderiam ter atingido o nível de vida de que lá desfrutavam.
Sei de várias histórias semelhantes relativas ao Canadá, onde conheço um número razoável de indivíduos portugueses.
Chegado aqui, o leitor dir-se-á: "mas o que estamos a tratar é de emigração e não de imigração." Pois, é tudo uma questão de prefixos: ex-, para sair, em "emigração" e in-, para entrar, em "imigração". Emigra-se para um país, mas do ponto de vista desse país é-se imigrante.
Nos Estados Unidos a situação é bastante semelhante à mencionada acima. Para obter um documento I-20 (suponho que ainda se mantém) que autoriza a imigração, é necessário responder a uma boa série de perguntas e preencher formulários específicos. E isto não é burocracia por amor da burocracia: é planeamento puro e duro.
Note-se que até aqui falei de três países de língua inglesa, que possuem na sua génese um background cultural semelhante. São países que gostam de regras, embora sejam democráticos na sua atitude. São nações que possuem uma estratégia de Estado, a qual mantêm e prosseguem, com ligeiras alterações consoante os tempos e um tanto independentemente dos governos. O que esses países procuram é qualidade que ajude o país a melhorar. Pense-se nisto: mais de 50 por cento dos doutoramentos que se realizam nos Estados Unidos são de estudantes ou profissionais não-americanos. Vêm de todo o mundo, desde a Arábia Saudita à China, de Portugal à Alemanha e Nigéria. Muitos dos doutorados (PhDs) acabam por ficar nos EUA e constituem uma óbvia mais-valia. Deram provas do seu valor intelectual, estão integrados. O Estado americano só os conheceu já adultos, pelo que não teve que custear a sua educação básica e secundária, nem o primeiro degrau do ensino superior. Os EUA não despenderam quaisquer subsídios com eles. Quando os acolheu, recebeu-os prontos a produzir. Isso é como ter logo desde o primeiro ano pereiras a dar peras e sobreiros a dar cortiça. É só ganho. Líquido.
Pensemos nalguns nomes de famosos emigrantes/imigrantes nos Estados Unidos (entre parênteses os respectivos países de origem): Amarthya Sen (Índia), Billy Wilder (Áustria), Bertolt Brecht (Alemanha), Einstein (Alemanha), Fareed Zakaria (Índia), Hayek (Áustria), Alfred Hitchcock (Inglaterra), Aldous Huxley (Inglaterra), António Damásio (Portugal), John Woo (China), Ernst Lubitsch (Alemanha), Anthony Quinn (México), Zsa Zsa Gabor (Hungria), Otto Preminger (Áustria), Roman Polanski (França), Sean Connery (Escócia), Schumpeter (Checoeslováquia), V. S. Naipaul (Caraíbas), Werner von Braun (Alemanha).
A imigração de cada um destes indivíduos representou uma mais-valia para os Estados Unidos. Em contrapartida, a imigração de um indivíduo que é transportado, juntamente com outros, numa carrinha conduzida por um mafioso que ganha com o seu negócio de vidas humanas, pode ser uma mais qualquer coisa, mas com pouca valia. Num caso, estamos a falar de qualidade, no outro de quantidade.
Pessoalmente, considero que o primeiro sistema é melhor, mas não digo que o segundo não tenha também as suas vantagens. Um exemplo sempre interessante diz respeito à diferente colonização que foi feita em territórios da América Latina e da América do Norte. Tomemos o exemplo do contraste num detalhe que é so aparentemente menor entre (1) os portugueses e o Brasil e (2) os ingleses e o actual território dos Estados Unidos. Para além das condições de trabalho para os escravos negros, existiram normas respeitantes a música na América do Norte. Já no Brasil essas normas foram inexistentes. Enquanto que o jeito puritano dos americanos autorizou os negros a tocarem música desde que usassem instrumentos “brancos” (saxofone, piano, trompete, etc.), os escravos do Brasil tinham carta branca para usar os instrumentos que quisessem (tambores, reco-reco & Cª). Daqui resultou a significativa diferença entre o jazz americano e a música brasileira.
Ora, existe algo de semelhante entre este exemplo e as práticas de imigração. Em Portugal, tanto quanto sei, aquilo que basicamente se discute é qual o número-limite de imigrantes por ano. Não se fala em seccionamento por qualidade. E isto porque não é verdadeiramente o Estado que planeia. As pessoas entram e vão-se desenvencilhando como podem. Com esta atitude, por vezes alguns imigrantes acabam por ser mais perniciosos do que úteis, na medida em que os ilegais não só prejudicam o emprego dos nacionais como não representam grande valor acrescentado para o Estado. Milhares de imigrantes em Portugal que não estão legalizados não pagam impostos porque os patrões não querem pagar a sua parte à Segurança Social. Esses patrões refugiam-se no facto de os seus trabalhadores estarem ilegais. Por seu lado, os imigrantes muitas vezes não se queixam para não perderem o seu emprego e ficarem, depois, "marcados" e com dificuldade de arranjar um outro local onde possam trabalhar.
Perguntar-se-á: e a fiscalização? Os fiscais do trabalho queixam-se de que o seu departamento tem poucos elementos e de que não têm mãos a medir. Para piorar as coisas, vários deles ficam desmotivados quando levantam autos e depois constatam que esses autos não receberam o seguimento devido com uma multa forte ao empregador. Não é muito de estranhar que haja alguns agentes que prefiram receber algum dinheiro por fora vindo do empresário - e fechar os olhos. Ora, isto não sucede nem no Canadá nem na Austrália, nem nos Estados Unidos. Existe uma disciplina mais rigorosa – tanto na admissão como eventualmente na punição.
O Estado português é grande, mas está longe de ser organizado e, principalmente, de ser disciplinado, justo e pouco corrupto. Já nos longínquos tempos da Índia, muitos dos particulares faziam os seus próprios negócios à sombra do Estado. A justiça ou não veio ou foi tardia. O parágrafo da carta que o infante D. Pedro escreveu a seu irmão e rei, D. Duarte, na primeira metade do século XV, é bem elucidativo: "A Justiça, senhor, que é outra grande virtude, me parece que não reina no coração daqueles que têm o encargo de julgarem a vossa terra. Parece-me, senhor, que a Justiça tem duas partes, uma de dar a cada um o que é seu, e a outra dar-lho sem delonga. Aqueles que tarde vencem, ficam vencidos."
O assunto teria muitíssimo mais para dizer, mas a costumeira extensão de um texto no blogue já foi excedida. Fico-me por aqui, acreditando ter tocado nalguns pontos que me parecem essenciais.
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