1/27/2005

Batalha do Buçaco símbolo de uma velha inimizade

Que os franceses sempre detestaram os ingleses é do domínio comum. Que os ingleses lhes têm replicado na mesma moeda, também. Hoje em dia, ainda há turistas franceses que, quando lhes mostram o mapa-mundo das descobertas marítimas, no pavimento em mármore junto ao Padrão dos Descobrimentos, não resistem à tentação de calcar com ambos os pés o mapa da Grã-Bretanha.
Esta animosidade tornou-se muito evidente durante uma guerra medieval entre os dois países que durou pelo menos cem anos. Em múltiplos outros episódios, também. Um desses episódios ocorreu durante a guerra da independência dos Estados Unidos. Interessados em derrubar o seu todo-poderoso rival, os franceses da América -- onde possuíam territórios -- não hesitaram em colocar-se do lado dos revoltosos, contra os ingleses colonizadores. Deram corpo ao conhecido aforisma "O inimigo do teu inimigo teu amigo é".
Algumas décadas mais tarde, um imperador francês -- Napoleão -- pensou em aumentar os seus domínios substancialmente. Para tanto, necessitava de um exército poderoso, por assim dizer, invencível. Como "os soldados não marcham sobre estômagos vazios" -- a frase é do próprio Napoleão -- e, se são mercenários, também não combatem sem a devida paga material, arquitectou um plano interessante. Para o realizar, começou por propor aos Estados Unidos a venda da cidade de New Orleans (Nova Orléans, nome tipicamente francês), na Louisiana (também nome evocativo dos vários reis de França com o nome de Luís). Talleyrand negociou pelo lado francês. Aos americanos que foram ao negócio, Talleyrand acabou por propor muito mais do que a venda de Nova Orléans. Nada mais, nada menos do que a venda de toda a Louisiana, território vastíssimo na parte sul dos Estados Unidos, consideravelmente maior do que o actual estado de Louisiana. Napoleão precisava de dinheiro fresco. Vender aqueles territórios não seria grande perca se viesse a ganhar outros com uma área muitas vezes superior. Ele tinha o seu plano. Os americanos chegaram a um entendimento e Napoleão realizou o dinheiro de que necessitava.
O seu plano passava pela conquista da Península Ibérica. Entende-se facilmente porquê. Sabendo que a América Latina estava na posse das coroas de Espanha e de Portugal, bastar-lhe-ia apoderar-se dos tronos dos dois países para se tornar senhor da Venezuela, da Colômbia, da Argentina, do Brasil, do Chile, do México -- de facto, de toda a América de línguas ibéricas.
Só que a Inglaterra, essa terrível desmancha-prazeres, veio em socorro do seu aliado, Portugal. A batalha do Buçaco é apenas o símbolo de uma série de derrotas do poderoso exército gaulês em solo lusitano. Para Napoleão, o sonho esvaiu-se. Perdeu os territórios da América do Norte, não ganhou nenhuns outros na América Latina e perdeu as batalhas contra os ingleses, que ainda hoje despudoradamente comemoram no centro de Londres a sua vitória naval de Trafalgar. Napoleão acabou por perder o trono.
Foi um jogo. Apostou. Perdeu, assim como podia ter ganho. É próprio de um imperador arriscar.

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