1/06/2005

CARREIRISMO

É um perfeito truísmo dizer que o facto de a mulher se ter tornado independente através do seu salário contribuiu sobremaneira para a sua emancipação. Mulher casada que não possua rendimentos próprios de que possa dispor fica materialmente dependente do seu marido. São frequentes os casos em que é subjugada, i.e. colocada debaixo do jugo do homem. Uma mulher (ou um homem) que consiga sobreviver sem depender materialmente de outrem pode sempre bater com a porta se a situação se tornar insuportável. O inverso não é verdadeiro. Esta situação de independência é essencial para que alguém possa caminhar de cabeça levantada, sem ter que passar rasteiras à ética, vender a alma ao diabo e engolir sapos atrás de sapões.
Mutatis mutandis, nas primeiras décadas após o 25 de Abril os políticos provinham das mais diversas profissões. Eram frequentemente pessoas que se tinham destacado no meio empresarial, na advocacia, na engenharia, na carreira universitária, na literatura, etc. Tinham o seu modo de vida, que interrompiam durante algum tempo para darem o seu contributo à governação de um país quer como membros do Governo, quer como deputados ou autarcas. Se não lhes agradava a situação, se os forçavam a cometer actos com os quais não concordavam minimamente, batiam com a porta, como tantos fizeram.
Hoje em dia, são já muito numerosos aqueles que são políticos tout court. Tiraram um curso, que isto de ser dr. é cada vez mais essencial, e fizeram da politica a sua carreira. Não têm outra profissão que não seja servir o partido. O que isto significa em termos de falta de independência e mesmo de servidão é facilmente imaginável. Eles não podem bater com a porta, não podem dizer "não" a uma política oficial, por muito que essa política interiormente lhes desagrade. Mas é possível que não desagrade mesmo. Já sabem que é assim na carreira por que enveredaram. Não sentem sequer que estão a vender a alma ao diabo, porque se dividem em duas metades -- coisa que pessoas íntegras (inteiras) são incapazes de fazer.
Ter o país governado por pessoas assim, para quem a mentira é apenas parte da política, é chocante para leitores pensantes. Para quê dar o voto a tratantes destes? Pouco nos devemos admirar de ver o país na situação em que se encontra.

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