Já vão perto de quarenta anos desde que uma conversa com alguém que eu mal conhecia, a bordo de um autocarro de turismo, me deu uma sacudidela. A pessoa em questão era uma senhora amante de viagens, culta e com alguma sobranceria intelectual. Tinha estado em Israel havia pouco tempo. Descrevia-me o país de modo maravilhado. Quando lhe coloquei a questão de o Estado de Israel representar a ocupação de um território que era ocupado por outras pessoas, ignorou o argumento com uma resposta sincera, mas que me siderou: "Outrora, os judeus viveram naquela área. Havia de ver a diferença entre os palestinianos e os israelitas. O que os israelitas conseguiram fazer daquele território é fantástico. Os campos, o desenvolvimento que se vê por todo o lado, os projectos. São uma raça superior. Nunca os muçulmanos lhes chegam sequer aos calcanhares!" Quando lhe disse que o argumento era perigoso, entre outros aspectos porque, na mesma base, qualquer antigo ocupante mais civilizado podia reivindicar os seus direitos históricos e invadir um território soberano, a minha companheira de viagem despachou-me com a minha juventude e inexperiência. A senhora contava com umas três décadas a mais do que eu. Não contestei mais, até para que todos nos déssemos bem durante o périplo turístico, o que veio de facto a suceder.
Nesta altura, noto da parte de muitas outras pessoas que escrevem na Net ou na imprensa a mesma agressividade na política mundial: os fins justificam os meios. Um tanto na mesma linha, escrevia há dias o director de um conhecido jornal diário que "discutir se os cruzados foram menos ou mais sanguinários quando conquistaram Antioquia do que Mahmed II quando entrou em Constantinopla é um exercício relativamente fútil. No fim, contam os resultados, e os resultados medem-se pelo que são hoje capazes de oferecer as diferentes culturas e civilizações como padrões de vida e convivência." Isto cheira-me um pouco ao "Fim da História" de Fukuyama. O nosso padrão é o melhor, logo podemos e devemos impô-lo aos outros. Se os outros são muçulmanos e possuem as mais ricas jazidas de petróleo do mundo, que são vitais para nós, tanto pior para eles se não concordarem connosco. Vamos a eles!
Quando eu estava no liceu, os rapazes mais velhos e maiores que queriam desafiar os mais novos molhavam um dos dedos com saliva e esfregavam esse dedo na cara dum dos mais pequenos. É evidente que, dada a estatura maior do provocador, muitas vezes a potencial vítima limitava-se a virar as costas e ir-se embora. Pois até isso poderia causar a ira do grandalhão. Várias bulhas começavam assim.
No final, o provocador lavaria as suas mãos da culpa dizendo que o outro não aceitou aquele gesto de pura brincadeira. Ele tinha-lhe batido, afinal, por falta de sentido de humor do outro.
O lobo e o cordeiro, não é? Já vimos este filme em qualquer lado.
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