2/13/2006

"O Barbas"

Quando, em 1755, o terramoto e o maremoto que lhe esteve associado destruíram o Paço Real, na Baixa junto ao Tejo, a família real apressou-se a mudar para um local mais seguro. O Alto da Ajuda foi escolhido para a construção de um palácio de madeira, com receio de que a pedra pudesse matar alguém num cataclisma similar. Algo ironicamente, alguns anos depois, não foi um tremor de terra mas sim um incêndio que provocou a destruição da "Real Barraca". O local era, no entanto, esplêndido. Ainda com dinheiros vindos do Brasil, o tesouro real abalançou-se a construir um palácio composto por três partes, com um belo jardim em frente ao corpo central. Os tempos não corriam de feição, porém, e as invasões francesas, a fuga do rei para o Brasil, carência de dinheiro nos cofres e a posterior perda do Brasil levaram a que apenas uma das três partes previstas fosse construída, assim como o jardim. Nela acabou por ir habitar, mais tarde, um rei que era Almirante e que adorava navegar. D. Luís tinha do seu palácio uma bela vista sobre o Tejo, que conduzia directamente ao mar, ali tão perto.
Esta breve introdução serve apenas para lembrar que as belas vistas sobre o Tejo sempre foram muito apetecidas. Não é verdade que o antigo paço se situava na alcáçova do Castelo hoje denominado de S. Jorge? Lisboa, cidade de umas originais sete colinas à maneira de Roma e da antiga Constantinopla (Istambul), tem hoje muito mais do que essas sete colinas. A Ajuda está integrada na cidade. Igualmente o Alto de Santo Amaro, não muito distante, faz parte integrante da capital.

Este Alto de Santo Amaro já foi escolhido em tempos para a construção do belo Palácio Val Flor, hoje transformado em unidade hoteleira de luxo. Foi também nesse Alto de Santo Amaro que, na década de 40 do século passado, a Câmara Municipal de Lisboa adquiriu uns terrenos, onde foi construído um esplêndido estabelecimento de ensino secundário: o liceu D. João de Castro.
Ligam-me óptimas memórias a esse liceu, onde estudei. Aliás, recordo-me de dizer a colegas meus, naqueles intervalos em que podíamos gozar de um belo sol ao mesmo tempo que nos divertíamos cá fora, que iríamos ter saudades daquele tempo. Estava com o Luís Lingnau da Silveira, o Beça Múrias, o Morais Sarmento, o Luís Pazos Alonso, o Artur Portela e uns tantos outros. O ensino público era bastante considerado, a escola tinha óptimos docentes. Lembro-me de a minha turma ter tido a primeiríssima aula que o Augusto Abelaira deu, tão recentemente saído da Faculdade e com ar tão de miúdo que o contínuo, agastado, o mandou levantar-se da carteira do professor porque "o senhor doutor deve estar quase a chegar".
Pois bem. "O Barbas", como familiarmente lhe chamávamos por homenagem às venerandas barbas de Dom João de Castro, vai deixar de ser escola secundária. Docentes e estudantes já foram informados. Os estudantes vão ser encaminhados para um outro estabelecimento, com fracas condições para os albergar. Mas vão possivelmente estudar mais, distraídos que não ficam pelo belo cenário que do local se desfruta. Esse cenário está destinado a outros mais afluentes usufrutuários, num futuro mais ou menos próximo. Vendo bem, está-se ali a desperdiçar com meia-dúzia de jovens uma esplêndida oportunidade. A educação, a tal da paixão e dos discursos inflamados, tem de compreender que há que ceder quando outros valores mais altos se alevantam.

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