2/02/2006

O galhardete

Coloco hoje aqui uma pequena histórica, verídica, que se passou há muitos anos. Registei-a na altura e pesco-a agora, para entretenimento dos eventuais leitores do blog.

"Como é que ele irá reagir? Sabes que é um tipo duro, lá de Trás-os-Montes. Tanto lhe pode dar para uma grande gargalhada como para escaqueirar aquilo tudo!" O meu colega tinha alguma razão, mas eu confiava que o desfecho iria mais para a hipótese da gargalhada. O Major Botelho é um indivíduo curioso. Alto, bem entroncado, negras sobrancelhas espessas, cerca de cinquenta anos de idade e uma cultura castrense sobre os ombros, pode parecer à primeira vista um tiranozinho cruel como há tantos no Exército, mas tem por debaixo da camisa um coração que palpita. Quando há meses um sargento veio ter connosco à noite à sala dos oficiais a perguntar-lhe se podia levar uma manta a um soldado que estava de castigo numa cela a tiritar de frio, a primeira reacção do major foi tonitroante: "Mas ele julga que aquilo é um hotel ou quê?!" Após o silêncio que se seguiu, falou o homem: "Leva-lhe lá duas mantas, se não ele ainda apanha uma pneumonia. Hoje a temperatura não está nada meiga."
Estou aqui no Regimento de Infantaria 6 em Montes Burgos, ao pé da Senhora da Hora, juntamente com um colega também aspirante e com cerca de 100 soldados das Caldas da Rainha, o nosso Regimento. Dar a recruta no Porto é uma experiência interessante. Não só a cidade é muito diferente de Lisboa como também as gentes. Francamente, gosto.
Dentro de três semanas vamos de volta às Caldas e resolvemos entretanto oferecer um galhardete ao Major Botelho, comandante da nossa Companhia. O Paulino é um soldado fixe, que tem um irmão a trabalhar numa das fábricas de cerâmica das Caldas. Cotizámo-nos todos e encomendámos a prenda.
Foi há dias que a entreguei ao major. Pedi primeiro ao meu colega que formasse os dois pelotões na parte exterior do edifício da Companhia. Depois, dirigi-me ao gabinete onde sabia que o major se encontrava sozinho. Cumprimentei-o, abri um armário com umas cinco ou seis prateleiras que ele lá tem e, algo teatralmente, disse para ele: "Não cabe!" "O quê?", perguntou o major.
Foi aí que iniciei o meu discurso. A dois. Palavras simples de agradecimento pela hospitalidade e simpatia que tinham sido dispensadas aos soldados das Caldas, aos furriéis e aos oficiais. O major levantou-se, entretanto, como que perfilado. Senti que estava a despertar o militar dentro dele. Tínhamos todos, disse eu, pensado em oferecer-lhe algo que ficasse como recordação da nossa passagem pelo RI 6. Voltei ao armário e repeti: "É pena não caber. Mas espero que mesmo assim goste do galhardete que lhe trazemos."
Abri então a porta e fiz sinal para entrar a um soldado que estava do lado de fora, com o "galhardete" devidamente coberto por um lençol impecavelmente branco. "Põe aqui em cima da secretária do nosso major. Obrigado!" Quando o soldado saíu, rematei o discurso: "Somos das Caldas. Não podemos oferecer-lhe nada de mais genuíno. Faça favor de destapar."
Mesmo para um transmontano de cepa rija a visão foi brutal; um falo caldense de cinco litros - o máximo que fazem em tamanho - com prepúcio bem vermelho no topo e uma base testicular bastante alargada a contrabalançar os 50 ou 60 centímetros de altura da peça é algo que não se vê muitas vezes. O major ficou uns segundos sem fala. Perguntei-me como é que ele iria reagir. "Boa piada! Boa piada!" Nunca lhe tinha visto uma satisfação tão grande. Abraçou-me. "Você tem razão. Para ele caber no armário, vou ter que tirar pelo menos duas prateleiras!"
Informei-o de que tinha os pelotões formados lá fora; se o major quisesse passar revista e dirigir-lhes algumas palavras... Pôs o bivaque, verificou cuidadosamente que tinha todos os botões do blusão convenientemente abotoados, e saíu comigo. À voz do meu colega, os cem soldados das Caldas da Rainha puseram-se em sentido. O major olhou-os do alto da pequena escadaria da Companhia. Aflorou-lhe aos lábios um enorme sorriso. Cada um dos soldados ostentava garbosamente na lapela uma réplica miniatura do pénis de cerâmica que lhe tinha sido oferecido. A cena era hilariante, mas conseguiu-se manter a maior compenetração de todos. Coisas que só o regime da tropa consegue fazer.
O major passou revista à formação e depois dirigiu-lhes palavras bonitas. "Nunca mais vos vou esquecer, nem esquecer este dia. Quanto ao galhardete que me ofereceram e que vos agradeço muito, acompanhar-me-á se eu for transferido para outra unidade. Bem hajam!"
Soube hoje de alguns follow-ups da história. Primo: A primeira pessoa a quem o major mostrou o "galhardete" foi ao capelão do Regimento. Secundo: Os novos oficiais milicianos de Armas Pesadas que chegaram na semana passada aqui ao RI 6 tiveram que, de joelhos, prestar juramento de fidelidade ao canhão coberto pela bandeira portuguesa, que beijaram. O "canhão" era o galhardete caldense. Tertio: Sempre que algum recruta aborrece o major, ele manda-o ao sargento para que este lhe mostre "o pai da humanidade".
Acho que estivemos à altura do transmontanismo rude e genuíno do nosso major. E creio, firmemente, que quando ele disse que não nos ia esquecer, estava a ser sincero. Um choque daqueles não se leva todos os dias!

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