6/28/2009

Democracia?

Desde miúdo que me questiono relativamente a determinado tipo de preces religiosas. Se alguém pedir a Deus ou a um santo a cura de uma doença grave que o aflige, não me custa admitir que, se a pessoa aumentar o seu grau de esperança após a prece, tudo estará correcto. Não vem mal nenhum ao mundo por isso. Se, porém, uma prece diferente envolver terceiras pessoas e solicitar determinados benefícios para quem a faz, em óbvio detrimento de outros, tudo me cheira a uma forma encapotada de cunha. Se, ainda, nesta mesma prece envolvendo terceiras pessoas, o rogante fizer uma determinada promessa no caso de a sua oração ser atendida, tudo me surge como chantagem e falta de ética perante os outros indivíduos que constituem a sociedade.
Ano após ano, eleição após eleição, o país vai aprendendo um número cada vez maior de manhas que o afastam daquilo que tradicionalmente se considera a verdadeira democracia, em jogo limpo e transparente.
Sempre vi como errado o financiamento de partidos feito por empresas.Dentro da linha do conhecido conceito de que não há almoços grátis, as empresas contribuintes esperam ser bondosamente contempladas quando o partido em que apostaram estiver no governo. Depois, tudo será legal graças à própria feitura da legislação – algumas empresas chegam a dar uma olhadela aos decretos antes de eles serem aprovados – e o investimento terá valido a pena. Legal? Sim. Ético? Não. Altamente reprovável, mesmo.
Estas coisas têm sequências fora do mundo das empresas. Vou transcrever o essencial de uma pequena notícia que encontrei no Público de há dois dias: "Depois do PSD e do CDS-PP, os movimentos de professores APEDE, MUP e Promova apresentaram ontem à deputada do Bloco de Esquerda Ana Drago, durante um encontro na Assembleia da República, a sua proposta para um "contrato público" com vista à próxima legislatura. Este Compromisso Educação, que está a ser proposto à oposição, tem como ponto de partida a rejeição das principais reformas implementadas pela actual equipa do Ministério da Educação. O site da Promova, que tem sede em Vila Real indica o seguinte: "Os professores não votam em candidatos ou em partidos políticos que não assumam, publicamente, o seu compromisso de rejeição da divisão da carreira docente e a suspensão do actual modelo de avaliação. (...) À semelhança do que já acontecera com a distrital do PSD, os professores do distrito de Vila Real têm igualmente no BE uma opção eleitoral."
Joaquim Aguiar escreveu, e eu concordo, que o corporativismo é a doença mortal da democracia. Ora, aqui temos um caso típico de corporativismo. É uma parte da corporação dos professores a dizer que só entrega o seu voto a quem lhe conceder aquilo que ela considera serem benesses suas. Assim, tout court. Sendo que a função governamental é vasta e inclui áreas tão importantes como a saúde, a segurança social, as finanças, a defesa, o ambiente, a habitação, os transportes, as relações internacionais, etc., estes professores-educadores aparentemente desprezam todas as ideologias e preocupam-se apenas com o seu bem mais directo – a educação -, sendo que, dentro deste sector, estão unicamente preocupados consigo mesmos e não com a educação propriamente dita. É um belo exemplo este que os referidos professores estão a dar ao país!

6/25/2009

"Minha pátria é a língua portuguesa": a hipocrisia total


Nas leituras e releituras que fui fazendo ao longo dos muitos anos que já vou acumulando, há vários textos que fizeram com que os meus olhos ficassem marejados de lágrimas. Irreprimivelmente. De comoção pelo conteúdo ou pela beleza estética. Alguns dos poemas de Walt Whitman estiveram entre os primeiros que me provocaram esse efeito. Recordo-me de os ler em voz altíssima e de manter ao mesmo tempo os olhos húmidos. Anteriormente, já certas passagens dos Miseráveis de Victor Hugo me tinham comovido pela situação em si. Ou O Drama de Jean Barois. Mas a comoção experimentada pela maravilha e o enleio do texto, pela sensação de me ver transportado como num tapete mágico das Mil-e-uma-Noites através da escolha única das palavras, fluidez de escrita e sua beleza, é algo que recordo principalmente em poemas de Fernando Pessoa/Alberto Caeiro, de Guerra Junqueiro e mais uns tantos, e por algumas passagens em prosa do jesuíta António Vieira, de Eça de Queiroz e José Saramago. A sensação que mantenho é de algo quase etéreo, em que as palavras servem de suporte a ideias que fluem como um rio, sem sobressaltos, com a serena naturalidade de tudo aquilo que integra a natureza.
A língua é algo fundamental para todos nós. Para uso diário, de comunicação utilitária, e igualmente para expressão de conceitos mais difíceis, estados de alma complexos, alívio de dor sofrida ou descida à escuridão mais lúgubre. A língua faz parte de nós praticamente desde o berço. O seu grafismo começa a ser-nos familiar também cedo na nossa vida.
O texto abaixo, retirado do Livro do Desassossego de Fernando Pessoa, fala-nos do posicionamento do autor relativamente à língua portuguesa que amava. E esclarece de forma nítida a sua atitude perante a ortografia da língua. Coincide com a minha e, decerto, com a de muitos milhares de portugueses. Hipocritamente, os promotores do felizmente ainda não activado "acordo ortográfico" salientaram amiúde aquela que consideraram a frase-chave do texto – "Minha pátria é a língua portuguesa" – ignorando por completo o restante, que é transparente quanto ao sentir do autor relativamente à ortografia. O respeito pelas raízes greco-romanas sobressai de tudo o mais. Tudo isto foi escamoteado. Realça-se a curta frase que ressoa como patriótica e foi transformada em slogan. Ignora-se a substância. Por pura conveniência. Por despudorada hipocrisia. Como é, aliás, próprio dos políticos que se servem do povo para os legitimar e logo depois o desprezam.
"Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palácio..." E fui lendo até ao fim, trémulo, confuso; depois rompi em lágrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.
Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a palavra mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha."

6/23/2009

Romeu e Julieta: uma tragédia real

A Vanessa, que calhei conhecer há dias, é uma das muitas brasileiras que decidiram vir para Portugal para fazer algum dinheiro e enviá-lo para a família. Neste momento dá assistência a pessoas de idade. Tenciona ficar no nosso país mais uns dois ou três anos. É casada e tem um filho. O marido, indiano, ficou no Brasil, onde tem o seu emprego. Contou-me a Vanessa que conheceu o marido na Índia, país para onde ela foi como missionária. A certa altura apaixonou-se pelo Anil. E ele por ela. O Anil tinha já uma profissão que não é rara na sua cidade natal, Jaipur: especializara-se em pedras preciosas. Quando a família de Anil ouviu falar em casamento com uma mulher cristã, opôs-se frontalmente. O clã familiar não podia consentir a entrada de estranhos. Anil avançou com o casamento e, com isso, fechou definitivamente a porta à sua família. Esta afirmou que não mais o receberia. Foi então para o Brasil, onde desempenha a profissão em que se especializou. A vida difícil e a necessidade de dar uma boa educação ao filho, obrigaram entretanto Vanessa a abandonar temporariamente o Brasil e vir para um país de língua portuguesa. Ela fala inglês bastante bem, mas o português é a sua língua materna.
A história da Vanessa e do seu marido não é total novidade para mim. Os laços familiares em determinadas partes do mundo e religiões não permitem casamentos como o deles. Quando há um ano e meio estive na Índia, recordo-me que durante uns dias andei com um jovem motorista que tinha um problema semelhante. Ele era hindu, ela, que vivia no Punjab, era Sikh. Correspondiam-se por carta e telefonavam frequentemente. "O meu grande problema não é a falta de dinheiro, embora este não abunde", dizia-me ele. "A questão toda gira à volta da família dela. Ignoram-na e deserdam-na se ela se casar comigo, nunca mais quererão saber da filha."
Para nós, portugueses, já não é hoje muito comum encontrar oposições familiares devido a questões de religião, embora factores impeditivos de outra natureza, nomeadamente de ordem social, sejam ainda relativamente vulgares. Apesar disso, qualquer comparação entre o que se passa em Portugal e na Índia faz pouco sentido. Na Índia os casos chegam a ser muito mediáticos (pelo menos para a imprensa ocidental). Eis o último de que tive conhecimento.
Ela, Amreen, era muçulmana; ele, Lokesh, hindu. Viviam numa povoação relativamente pequena. A despeito das suas diferentes religiões, apaixonaram-se e decidiram casar-se. Fizeram-no numa outra localidade. Quando regressaram, o conselho dos veneráveis das duas famílias reuniu-se. Da reunião saiu a decisão de ordenar a anulação do casamento. Caso contrário, era a morte que os esperava. O seu casamento não era aceite nem por uma comunidade nem por outra. Na sequência do veredicto, o casal suicidou-se por envenenamento.
Ouvido por um jornalista, o chefe da aldeia disse que o casal tinha cometido o fatal erro de regressar à aldeia. Se se tivessem estabelecido noutra localidade, as famílias não poderiam agir. Assim, embora a morte do casal fosse lamentável, as famílias cumpriram o seu dever. "Na nossa aldeia, os hindus casam-se com hindus e os muçulmanos com muçulmanos. O que aconteceu é muito triste, mas o que esperavam eles? A pressão sobre as duas famílias era enorme. Era a desonra que estava em jogo."
A polícia tomou conta da ocorrência e afirma que o jovem casal tinha legalmente todo o direito de viver na aldeia. Porém, ser-lhe-á muito difícil acusar alguém. Haverá uma barreira de silêncio. Por muito que a polícia tenha a lei pelo seu lado, o certo é que os habitantes da aldeia estão a defender códigos muito antigos e tradições que permanecem hostis a qualquer laivo de modernidade. Os Capuletos e os Montechios numa versão indiana? Aqui a tragédia é real.

6/19/2009

Não é apenas uma questão linguística


Um anúncio que podemos ver por aí em vários outdoors mostra-nos um macaco a levantar um automóvel. Num jogo publicitário de palavras que faz parte do conceito usado para uma série de anúncios relativos ao mesmo produto, exalta-se o portuguesismo e conclui-se que só na língua portuguesa é que encontramos macacos a levantar carros. Na realidade, na nossa língua os macacos não só levantam automóveis quando precisamos por exemplo de substituir um pneu, como também são macacos o que frequentemente tiramos do nariz como-quem-não-quer-a-coisa. São igualmente macacos, carinhosamente chamados "macaquinhos", que povoam o sótão da nossa cabeça quando nos preocupamos antecipadamente com determinadas coisas. Por estas e por outras, os macacos acabam por fazer macaquices e serem o fim da macacada. Em inglês ou noutras línguas, os macacos terão outras funções. Não são usados para estas.
Como se sabe, traduzir de uma língua para outra palavras que têm uma série de conotações diferentes pode ser complicado. Mas há quem forçadamente tente, até porque macacos de imitação há muitos.
Este blá-blá introdutório vem a propósito do uso da palavra "sexo". Em português sempre se disse sexo masculino e sexo feminino. Hoje, na sequência do inglês e eventualmente já de outras línguas, tornou-se politicamente correcto dizer "género". Os falantes de língua inglesa dizem "gender". Ora bem! "Gender" não é exactamente uma palavra polivalente para traduzir o "género" português, embora esteja correcta para casos gramaticais, v.g. the gender of a noun is whether it is masculine, feminine or neuter. É um facto que em português sempre se disse, por exemplo, que "casa é uma palavra do género feminino". Noutros casos, porém, o "gender" inglês corresponde a uma das conotações do português "sexo", como a person’s gender is the fact that they are male or female.
Ora, sucede que em português a palavra "género" tem vários outros significados. "Que género de música é que preferes?", "Que género de perguntas é que te fizeram no exame?" Este uso de "género", que é o mais comum entre nós, nada tem a ver com o gender inglês. Será algo como What kind of questions were you asked? ou What sort of answers did you give? E temos mais: "O Rui pode ser muito bom tipo e ter carradas de dinheiro, mas não é o meu género de homem", dirá uma mulher a quem tentam impingir o Rui. Além disso, temos o plural da palavra – "géneros" – que tem outra conotação completamente diferente, como em "géneros alimentícios".
Num formulário português clássico, vinham sempre alíneas como Nome, Filiação, Sexo, Data de nascimento, Estado civil, Morada, etc. Será que agora passaremos a eliminar o Sexo e a substituí-lo por Género? Forçar a entrada do género em vez do habitual sexo pode ser muito in mas, em minha opinião, devia ficar out. Deixem lá ficar o sexo, que está muito bem, senão qualquer dia não há meninos.

6/15/2009

Escrever em português

Enquanto escrevia um comentário ao texto acerca da junção ou não de palavras inglesas na língua portuguesa , veio-me à cabeça um de entre umas boas dezenas de nomes que, para mim, são os grandes obreiros da beleza da nossa língua: Eugénio de Andrade. Daí a pegar num dos seus livros foi um curto passo. Quase ao acaso (porque a escolha é difícil), aqui deixo uma boa razão pela qual tanto gosto de ler em português:

Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de Setembro,
quando a lua é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.

Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.

(Eugénio de Andrade)

O exemplo

Nas cerimónias comemorativas do passado dia 10 de Junho, António Barreto falou, e bem, sobre o valor do exemplo dado à sociedade por pessoas íntegras. Se esse exemplo provier da elite, seja ela governamental, científica, clerical, judicial, médica ou outra, tanto mais importante. Os melhores exemplos vêm de cima. Embora com um sentido ligeiramente diferente, Escrivá, o fundador da Opus Dei, disse com alguma justificação: "Os intelectuais são como os cumes cobertos de neve. Quando a neve derrete, as águas correm para os vales e fertilizam-nos."
Ainda há dias, ou aqui neste mesmo local ou em comentário ao único blog que leio regularmente – o http://jametinhasditos.blogspot.com - eu falava do valor do exemplo. Contudo, é bom que tenhamos em mente que o exemplo não é condição necessária e suficiente para que todos o sigam. Se assim fosse, essa seria a solução mágica para tudo. Contudo, ele é imensamente importante na educação das pessoas e no paradigma que se cria para a sociedade.
Fundamental é que interiorizemos que "comportamento gera comportamento". Quem é amável para com outra pessoa recebe na generalidade um tratamento agradável por parte dessa pessoa. Mais: a amabilidade do tratamento tende a ser simpaticamente contagiosa, pelo que o (nosso) interlocutor será, em princípio, amável para com uma terceira pessoa.
Todavia, o que serve para o bem é igualmente válido para o mal. Assim "violência gera violência". Com ganhos para quem?
O pior de tudo, creio eu, é a hipocrisia de pregar uma coisa e fazer outra. Talleyrand (1754-1838) legou-nos uma reflexão importante nesta linha: "As palavras são usadas para dissimular o pensamento." Este é o típico exemplo cínico. Assim também a langue de bois, como os franceses lhe chamam, ou o orwelliano newspeak, são exemplos porventura convenientes para quem os utiliza mas perniciosos para a sociedade em geral. Não são transparentes nem leais. O falante dispara palavras codificadas, que no fundo fazem o newspeak ser algo semelhante à reflexão de Talleyrand.
Uma vez, já há largos anos, alguém comentou para mim com grande convicção interior: "Quem me deve que pague, a quem eu devo que espere!" Achei a frase um horror e recordo-me de ter protestado vivamente com a pessoa em questão. Verifiquei depois que, afinal, a expressão era de uso mais ou menos corrente. Péssima. Não é assim que se conquista a confiança das pessoas, e a confiança é algo vital numa sociedade sã. Embora nunca se consiga atingir o ideal de uma sociedade totalmente sã, logo que se alcance uma maioria de cidadãos que possuam uma mente sadia e traduzam em actos coadunantes o seu pensar, o número de peças podres da sociedade tenderá a diminuir. É o efeito bandwagon. Convém não esquecer, porém, que este também funciona inversamente.
O respeito pelos outros – algo essencial em quem pretende ser respeitado – manifesta-se de milhentas maneiras: no profissionalismo com que se exerce uma determinada ocupação, na pontualidade, no uso da verdade, na transparência e lealdade do trato, na prontidão com que se paga uma dívida, nas desculpas que se apresentam por um erro cometido, etc.
Este é todo um conjunto de práticas que contrastam com o que se ouve por muito lado. E o que é que se ouve? Coisas como "Isto aqui agora é a ver quem rouba mais!", "Os governantes são todos uma cambada. Em vez de nos governarem, governam-se a si próprios!", ou "Deus disse-nos para sermos bons, não nos disse para sermos parvos". Esta última frase é típica daquele que se escuda no erro do outro e faz o mesmo, crendo que o facto de ter o flanco protegido por outra pessoa que cometeu a mesma falta deixa de o incluir no grupo das maçãs podres do cesto. Além disso, muito convenientemente para si mesmo, a pessoa que usa esta frase subalterniza o que Cristo disse para se agarrar àquilo que ele não disse! Vai até aqui a auto-desculpa do homem!
O bom exemplo é primordial. Se um ministro fala ao povo na necessidade absoluta que o país tem de efectuar uma redução das suas despesas e depois encomenda um avião particular para as suas próprias funções, perde automaticamente todo o crédito. Se um governante anuncia uma subida de impostos inadiável e apregoa o mesmo apertar de cinto à população, e depois se vem a saber que esse governante não aperta o cinto porque usa suspensórios, a sua credibilidade fica obviamente abalada. É que, como atrás se recorda, o exemplo que vem de cima é muito mais importante do que o da arraia-miúda.
No dia-a-dia das nossas vidas, será importante devolver a tempo e horas um livro, um CD ou um DVD que se recebeu emprestado? É. No futebol ou em qualquer outro desporto em que haja contacto físico, será importante ajudar o adversário sobre o qual cometemos falta a levantar-se? É. No que respeita a impostos a pagar ao Estado, é importante ser cumpridor e verdadeiro? É. Quem pergunta "Porquê?" relativamente a estes três casos – meros exemplos de uma plêiade de exemplos possíveis – carece urgentemente de rever o seu posicionamento quanto aos seus deveres.
Em sociedades mais sãs do que a nossa, que as há, questões como estas não se levantam prioritariamente porque a maioria da população as cumpre. Noutras, piores do que a nossa, que também as há, questões deste tipo apenas causam sorrisos: a árvore está contaminada da copa à raiz.
Um professor que exija trabalho dos seus alunos tem que, ele próprio, trabalhar. Ser rigoroso para com os outros e desleixado para consigo próprio é um mau exemplo. Qualquer líder tem mais deveres do que direitos – conceito que muitos chefes terão grande dificuldade em engolir. No entanto, é fácil compreender porquê.
O caso da propaganda política em tempo de campanhas eleitorais é sintomático do estilo de Talleyrand. Sabendo que o voto do pobre conta tanto como o do rico e constatando que há mais pobres do que ricos, eis todos os candidatos, mesmo os da direita, a fazerem propaganda típica de esquerda. Depois, uma vez legitimados, fazem o que Juan Perón magistralmente resumiu: "A política é como um violino. Começamos por pegar-lhe com a mão esquerda para depois tocarmos a melodia com a direita."
O importante para que a situação se vá invertendo com o tempo é conseguir que haja um escol que induza a boas práticas, que faça público reconhecimento de alguns erros se os tiver cometido, que os professores nas escolas tenham boa conduta e penalizem severamente casos de fraude dos seus alunos através de cábulas e outros processos, que os ministros apanhados em suspeita de falta grave se demitam imediatamente para que a justiça os possa julgar. A questão centra-se numa ordem numérica: quantos mais indivíduos com poucos valores válidos houver numa sociedade, tanto melhor aqueles que não possuem quaisquer valores se sentem. Inversamente, quando o número de pessoas íntegras, que dão o bom exemplo, supera os 60 ou 70 por cento, tanto pior se sentem aqueles que não possuem quaisquer valores. No primeiro caso, a justiça funciona necessariamente mal porque ela própria estará em minoria e evita ferir susceptibilidades que, afinal, são maioritárias; no segundo caso, pode e deverá funcionar muito melhor, sem constrangimentos de vulto.
A terminar por ora este assunto que carece de longo debate - seguido de acção - , uma clássica frase de Winston Churchill a propósito da falta de valores de algumas elites: If gold rust, what shall iron do? (Se é o próprio ouro a ganhar ferrugem, o que se pode esperar do ferro?)

6/13/2009

To write in English, ou só em português?



Há dias, o leitor de um jornal queixava-se do elevadíssimo número de palavras estrangeiras que encontrava na leitura do periódico: "Queria chamar a atenção para a pouca vergonha como os jornalistas estão a tratar a língua portuguesa." E listava mais de uma dezena de termos franceses que encontrava frequentemente no jornal, v.g. réveillon, tournée, rentrée, lingerie, foie-gras, boutique, prêt à porter, atelier e bricolage.
O que diria esse mesmo leitor se deparasse com o anúncio publicitário da TAP acima reproduzido e que está numa série de mupis?
Pessoalmente, não acho nada mal nem o anúncio nem o uso de palavras estrangeiras. Se estes termos que são originários de outros idiomas receberam acolhimento no nosso por alguma razão foi. É o povo falante de uma língua quem determina aquilo que é aceitável e o que não é. Já aqui abordei este assunto há anos. Quantos portugueses aceitariam dizer Worcester sauce? Com a dificuldade que há em pronunciar a primeira destas palavras, nunca a população utilizadora do idioma a acolheria. É por isso que, embora o produto seja relativamente popular, ele foi simplesmente denominado "molho inglês". Mas os termos franceses foie-gras, chantilly, rentrée, boutique, lingerie, soutien, collants, abat-jour, naperon, crochet, que trazem eles de mal ? Só enriquecem a nossa língua. Por vezes até evitam alguns embaraços. Há quem não goste de falar em cuecas e prefira usar o termo slips. Outros falam em boxers. Os shorts, as T-shirts, o tamanho XL e tantas outras coisas deste género foram igualmente aceites, tal como o spread, o software, fazer um delete, ou fazer um ou dois clicks. Que mal vem daí? Há palavras portuguesas que substituem estes termos? Óptimo! Quem quiser que as use, quem preferir alterná-las com o uso de termos estrangeiros que o faça!
Só que o anúncio da TAP tem muito mais do que um vocábulo não-português: tem uma oração inteira em inglês! E se houver quem não perceba? Quem não percebe, não estará possivelmente interessado em ir a Nova Iorque sem ser numa excursão organizada porque tem receio de não entender nada nem conseguir fazer-se entender na cidade. Ponto final. Mas para quem entenda inglês – e a frase, coloquial, é bastante fácil – aquela expressão constitui um incentivo. É já meio caminho andado para um segundo pensamento ("Se calhar, vale mesmo a pena!"). A TAP faz a sua parte, pondo os bilhetes a baixo preço. Agora, a decisão é sua. O copy que escreveu o texto pensou direito.

6/10/2009

Do alto dos ares ao fundo da Terra



Todos os leitores deste blog já voaram em aviões, maiores ou mais pequenos. Todos terão a noção de que a velocidade atingida pelo avião é um dado fundamental tanto na descolagem como no voo e igualmente na aterragem. Pessoalmente, senti um enorme prazer há alguns anos ao sobrevoar a uma velocidade de apenas 210 km/h toda a ilha da Madeira e depois o Porto Santo. A uma velocidade tão baixa só de helicóptero, e foi de facto de helicóptero que a viagem me foi proporcionada.
Noutro caso, este passado na guerra colonial em Angola, vi o piloto de uma pequena avioneta (Auster) tentar aterrar a uma velocidade demasiado reduzida numa pista e estatelar-se no chão (foto), partindo o trem de aterragem e mais umas pecitas. Um mínimo de velocidade é essencial para que o aparelho não entre em perda e caia sem apelo nem agravo.
E como se mede a velocidade? Se, no chão, com o nosso automóvel a coisa não parece muito difícil de medir devido ao contacto dos pneus com a estrada, no ar a situação é um bocado diferente. Aí funciona um conjunto de sensores que, por intermédio de computadores que lhe estão ligados, determina a velocidade de voo do aparelho. E se há uma avaria nos sensores? Em princípio deveria haver um plano B, mas admito que não sei.
Sei, no entanto, que o organismo que foi encarregado do inquérito técnico ao acidente com o Airbus da Air France ocorrido na semana passada apontou "uma incoerência das velocidades medidas" no fatídico voo AF 447 que matou 228 pessoas. Falha dos sensores? Já vimos que um aparelho que voe a velocidade excessivamente baixa entra em perda. E se a velocidade for excessivamente elevada? O avião pode desintegrar-se. E já houve problemas com estes controles nos Airbus A330 e A340? Sim.
Foi por estas e por outras que sindicatos ligados à aviação apelaram às tripulações para que se recusem a embarcar até que os aparelhos tenham, pelo menos, dois novos sensores. A Air France anunciou ontem a troca imediata deste equipamento de medição de velocidade! Entretanto, uma notícia anterior indicava que os sensores do A330 que fazia a travessia Rio de Janeiro-Paris estavam já assinalados e deveriam ter sido trocados há um ano...
Responsabilidade social da Air France? Cumprindo uma recomendação da Airbus, datada do início de 2008, várias companhias têm estado a substituir os sensores. Ultimamente, foi uma companhia do grupo Lufthansa e uma outra, americana, que anunciaram a substituição dos sensores de leitura de velocidade nos seus aviões Airbus.
Dos ares, passemos para algo mais terra-a-terra, ou mesmo para o fundo desta.
Como intróito porque o outro caso vem apenas a seguir, lembremos que, no filme de 2005 O Fiel Jardineiro, o realizador brasileiro Fernando Meirelles adapta um romance do conhecido John le Carré que tem como pano de fundo a exploração de cobaias humanas para acções de pura (e dura) testagem de novos medicamentos. Algumas dessas pessoas morrem, outras ficam a sofrer de diversos males, outras resistem. A acção decorre algures num país africano e mostra a conivência - certamente através de suborno - de algumas autoridades locais. A multinacional farmacêutica que leva a cabo essas eventualmente perigosas experiências em seres humanos, africanos e pobres, revela uma baixíssima responsabilidade social. Mas é assim que contribui para construir os fartos lucros que espera registar no final de cada ano para gáudio dos seus administradores e accionistas.
Por coincidência de razões de exploração humana, a notícia que saiu muito recentemente na imprensa - a multinacional petrolífera Shell acordou em pagar 11,1 milhões de euros "num acordo extrajudicial do processo em que estava demandada por cumplicidade em casos de violação dos direitos humanos" na Nigéria - é aparentemente mais um caso verídico de baixa responsabilidade social por parte de uma grande empresa. Há cerca de 50 anos que a Shell opera na Nigéria a pesquisa e exploração de petróleo. Nos últimos 16 anos o povo ogoni, de uma das regiões onde o petróleo era explorado, revoltou-se contra o facto de não ter qualquer compensação pela destruição do ecossistema do seu território. Criou-se um vasto movimento de protesto, que foi liderado pelo ogoni Saro-Wiwa e que conseguiu, através de manifestações pacíficas em 1993, impedir a Shell de prosseguir com as suas actividades no Sul da Nigéria. O gigante petrolífero foi acusado de "poluir o ambiente, de não partilhar a riqueza obtida na exploração petrolífera com a população local e de justificar a forte presença dos militares no delta do rio Níger". O resultado foi que, após um julgamento realizado em 1994 e considerado uma farsa pela comunidade internacional, nove activistas do movimento ogoni, incluindo o fundador Saro-Wiwa, foram condenados à morte e enforcados.
Num comunicado ontem divulgado, a Shell informa que o pagamento da indemnização constitui "um gesto humanitário" num "processo de reconciliação" com as populações locais. Ah, é verdade: a Shell mantém mais umas boas dezenas de campos de exploração petrolífera na Nigéria.

6/08/2009

Português suave

Numa conhecida citação de Oliveira Salazar lê-se o seguinte: "Um iletrado não pode votar, tanto faz em Lisboa como em Lourenço Marques. As secções especiais das polícias noutros Estados não têm fim diverso e, quanto à crueldade, nem sequer no-la permite a conhecida doçura dos nossos costumes." Se cito a frase acima, não é pelo facto de os iletrados não poderem na altura votar, mas sim pela "conhecida doçura de costumes dos portugueses".
Ocorreu-me este manipulador eufemismo quando li há dois ou três dias na imprensa que este ano já vai em 11 o número de mulheres que em Portugal foram mortas pelos respectivos maridos ou companheiros. Na realidade, actos de violência que se situam num plano bem longe da doçura que a férrea censura de antanho mitificava e ocultava dos olhos e ouvidos dos portugueses sempre existiram neste país, como aliás noutros. Mas o choque é tanto maior quanto mais os brandos costumes dos cidadãos lusos vêm à baila. Os casos mais recentes reportam que um homem de Chaves estrangulou a mulher até à morte, no passado dia 2. Dois dias depois, um antigo mecânico de 55 anos que vive no Porto pegou num martelo e agrediu a mulher e o filho com gravidade.
Ora, no ano passado o número de mulheres assassinadas em contextos de violência doméstica subiu a 47! Os agressores foram actuais ou antigos namorados, companheiros ou maridos. As vítimas encontravam-se maioritariamente numa faixa etária entre os 24 e os 35 anos. Como é fácil de concluir, 47 num ano dá uma média de aproximadamente quatro assassínios por mês! Se juntarmos a estes casos letais as numerosas cenas de violência a que vizinhos e polícia têm muitas vezes de acorrer chegamos a um panorama que, de facto, nada tem de doce.
Era bom que a realidade fosse encarada bem de frente e os autores severamente punidos. Pessoas deste tipo não se corrigem com meras recomendações pedagógicas, como exemplos de outras áreas atestam. Não atacar a violência acaba por ser uma violência ainda maior, e cúmplice. Há que actuar.

Um breve relance pelas eleições para o Parlamento Europeu (PE)

Na generalidade, os cidadãos europeus viraram à direita nas eleições para o PE. Os partidos centro-direita ganharam pontos à custa dos da esquerda e os da extrema-direita obtiveram igualmente ganhos.
Considerando que os grupos representados no Parlamento Europeu à esquerda do Partido Popular Europeu (PPE) somaram um número total de 351 deputados contra 385 da ala direita, verifica-se que se em 2004 o grupo da ala esquerda possuía uma percentagem ligeiramente superior relativamente à ala direita – 50,96% vs. 49,04% - presentemente registou-se uma inversão, com a ala direita a ganhar claramente terreno à esquerda (52,3% contra 47,7%).
Entre os dois grupos mais representativos do Parlamento Europeu – PPE e Socialistas – a diferença de 9,2 por cento que já se registava há cinco anos aumentou para 14,7 por cento, em ambos os casos com vantagem para o PPE.
Na Península Ibérica, os sociais-democratas do grupo PPE bateram igualmente os socialistas. Como se sabe, estes estão no governo tanto em Espanha como em Portugal. No nosso país, o Bloco de Esquerda, que não tinha chegado a 5 por cento da votação em 2004, obteve agora mais do dobro percentual, com um aumento de quase 215 mil votos e a ultrapassagem do Partido Comunista, apesar de este ter também crescido em cerca de 70 mil votos.
A participação dos cidadãos tem vindo a reduzir-se desde há trinta anos. Nestas eleições, a abstenção que em 1979 se cifrara em 38 por cento passou para 57 por cento, ou seja, aumentou 50 por cento! Imaginando um filme integral com a duração de cem minutos, isto significa que o que os cidadãos europeus de hoje vêem são apenas 43 minutos do filme. Os restantes 57 minutos auto-cortaram-se. Isso representa uma dura lição para os dirigentes europeus. Parafraseando o mexicano Porfírio Diaz, que dizia "Pobre México, tão longe do céu, tão perto dos Estados Unidos!", apetece dizer em face destes resultados: "Pobre Europa, com tantos problemas e Bruxelas/Estrasburgo tão longe!"

6/02/2009

Avaliação das escolas

Já escrevi vários textos sobre a avaliação dos professores, mas mesmo assim gostaria de, muito sucintamente,deixar claro o seguinte:

Numa avaliação promovida pelo Ministério, os professores não deverão ser os únicos alvos. A avaliação deve abarcar toda a escola. A escola e o seu ambiente podem ser decisivos para uma melhor ou menos conseguida prestação por parte dos agentes de ensino. Este ponto justifica-se per se. Contribuirá para desanuviar a imagem de perseguição ao professor que a avaliação acabou por dar.

Uma vez que a prestação do professor está em certa medida dependente do ambiente que o rodeia, a avaliação deve ser feita escola a escola, cobrindo todas as escolas do país mas não com o cariz da presente avaliação. Deverá haver o número considerado necessário de comissões externas, independentes, as quais se avistarão com os órgãos de gestão, professores, alunos e funcionários, durante um máximo de três dias por unidade escolar. As comissões recolherão os respectivos formulários a preencher pelos elementos das escolas.

Os alunos deverão participar por escrito no processo de avaliação. As comissões independentes que irão de escola a escola procederão a inquéritos e entrevistarão isoladamente representantes de alunos e de professores. O relatório da comissão, que será constituída por três membros, tem um peso considerável nos resultados entretanto apurados através do inquérito.

Os resultados apurados, a comunicar por escrito aos membros avaliados, serão comparados no ano seguinte com os de nova avaliação. Membros dos órgãos directivos da escola e agentes de ensino que recebam duas vezes consecutivas apreciações negativas serão penalizados.

A seriedade e consequente isenção das comissões, e o guião que seguirão de forma a cobrir um leque abrangente de informação, permitirão uma recolha de dados que constituirá uma avaliação competente e honesta.

Os inquéritos deverão ser elaborados de forma tão simples quanto possível, com perguntas fechadas e quantificadas, e permitir sempre, pelo menos na parte final, a expressão livre quer de alunos quer de professores.


Curiosamente, saiu ontem um comunicado de um Conselho Científico (CCAP) especialmente nomeado pelo Ministério para analisar e reportar sobre a avaliação dos professores. Na generalidade, o CCAP considera que muitos dos propostos avaliadores não possuem experiência, competência ou perfil para avaliar os colegas, como prevê o modelo de avaliação. Propõe para eles uma nova formação de médio ou longo prazo ao nível do ensino superior.
Contrariando este posicionamento, que foi tomado após visita do CCAP a 30 unidades orgânicas do Ministério (escolas e agrupamentos), a Ministra disse recusar que "se passem atestados de incompetência aos professores e que se diga que os professores não tem as capacidades nem as competências para fazer aquilo que é naturalmente o seu trabalho."
Poderá parecer estranho que Maria de Lurdes Rodrigues surja agora activamente em defesa dos professores, classe que entrou em revolta quase generalizada muito por contributo da equipa ministerial. Parecerá menos estranha a atitude de ministra se comprendermos que ela está apenas a invocar os agentes de ensino para defender aquele que tem sido o seu próprio posicionamento.
Quando a Ministra afirma que os professores possuem as capacidades e as competências para fazer aquilo que é naturalmente o seu trabalho, esquece, como é manifesto, a validade mais do que confirmada do princípio de Peter: "Numa hierarquia, cada funcionário tende a subir para o seu nível de incompetência." Se não se está atento, corre-se o risco de aceitar determinados lugares para os quais não se tem competência. Um bom professor de História não é necessariamente um bom avaliador de Matemática, por exemplo, ou um bom gestor.
Enfim, é por falta de realismo e flexibilidade e, creio, por excesso de centralismo, que a importante questão da avaliação das escolas – incluindo a avaliação de desempenho dos professores – não está ainda resolvida satisfatoriamente. Esperemos que de futuro haja mais bom senso e menos braços-de-ferro.

6/01/2009

Destrua um, construa três!



O escritor Fernando Dacosta, estudioso da personagem de Salazar e da época em que aquele político viveu, conta-nos num dos seus livros que quando o Hotel Estoril-Sol foi construído numa das zonas turísticas portuguesas mais conhecidas internacionalmente houve quem protestasse contra a sua volumetria. Salazar, que durante o Verão residia num forte junto ao mar, a poucos quilómetros da nova unidade hoteleira, não resistiu a vir ver o edifício da Estrada Marginal. Na altura, terá comentado jocosamente para as pessoas que seguiam consigo: “Como vêem, não mando em tudo em Portugal!”
Mandava em muita coisa, de facto, até de mais. Mas não podia obviamente superintender em todo e qualquer projecto que fosse lançado no país. Presentemente, em casos como este são basicamente os autarcas quem manda. Há uns tempos, num contexto que decerto envolveu intrincados pormenores, surgiu a notícia de que a Câmara de Cascais considerava que o Hotel Estoril-Sol possuía na realidade uma volumetria que não se coadunava com o local onde estava implantado. A prevista implosão de um hotel que entretanto já se tornara um ex-libris da zona ocupou as páginas dos jornais. O hotel veio finalmente abaixo, passando para a opinião pública que a melhoria do local constituía a finalidade número um da "morte" do Estoril-Sol.
Poucos anos passados e certamente após mais alguns conspícuos montes de burocracia, eis que todos começamos a ver a verdadeira melhoria que se prevê para a zona. Desculpando os inevitáveis congestionamentos de trânsito que a construção de novos edifícios no local ocasiona, verificamos que ao bota-abaixo do Estoril-Sol corresponde, afinal, a construção de três novos edifícios que estão ainda longe de se encontrar terminados – inclusive em altura - mas já denotam avantajadas proporções, como uma das fotos acima ilustra (a outra foto relembra como era o antigo Estoril-Sol).
Dos meus apontamentos de ética respigo uma frase tipo-máxima: "Uma sociedade na qual vale tudo é uma sociedade que pouco vale." Rejeito chamar desenvolvimento e progresso a uma agressão imobiliária deste género. Como fonte de receitas para o município, os imóveis de grandes dimensões têm provocado em grande parte do país genuínos atentados contra a celebrada qualidade, quando não "excelência", que os autarcas não se cansam de prometer será a sua forma de actuação se forem eleitos. Apesar de já termos visto este filme, sinto que é importante não o deixar passar em claro mais uma vez.