6/08/2009

Português suave

Numa conhecida citação de Oliveira Salazar lê-se o seguinte: "Um iletrado não pode votar, tanto faz em Lisboa como em Lourenço Marques. As secções especiais das polícias noutros Estados não têm fim diverso e, quanto à crueldade, nem sequer no-la permite a conhecida doçura dos nossos costumes." Se cito a frase acima, não é pelo facto de os iletrados não poderem na altura votar, mas sim pela "conhecida doçura de costumes dos portugueses".
Ocorreu-me este manipulador eufemismo quando li há dois ou três dias na imprensa que este ano já vai em 11 o número de mulheres que em Portugal foram mortas pelos respectivos maridos ou companheiros. Na realidade, actos de violência que se situam num plano bem longe da doçura que a férrea censura de antanho mitificava e ocultava dos olhos e ouvidos dos portugueses sempre existiram neste país, como aliás noutros. Mas o choque é tanto maior quanto mais os brandos costumes dos cidadãos lusos vêm à baila. Os casos mais recentes reportam que um homem de Chaves estrangulou a mulher até à morte, no passado dia 2. Dois dias depois, um antigo mecânico de 55 anos que vive no Porto pegou num martelo e agrediu a mulher e o filho com gravidade.
Ora, no ano passado o número de mulheres assassinadas em contextos de violência doméstica subiu a 47! Os agressores foram actuais ou antigos namorados, companheiros ou maridos. As vítimas encontravam-se maioritariamente numa faixa etária entre os 24 e os 35 anos. Como é fácil de concluir, 47 num ano dá uma média de aproximadamente quatro assassínios por mês! Se juntarmos a estes casos letais as numerosas cenas de violência a que vizinhos e polícia têm muitas vezes de acorrer chegamos a um panorama que, de facto, nada tem de doce.
Era bom que a realidade fosse encarada bem de frente e os autores severamente punidos. Pessoas deste tipo não se corrigem com meras recomendações pedagógicas, como exemplos de outras áreas atestam. Não atacar a violência acaba por ser uma violência ainda maior, e cúmplice. Há que actuar.

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