6/10/2009

Do alto dos ares ao fundo da Terra



Todos os leitores deste blog já voaram em aviões, maiores ou mais pequenos. Todos terão a noção de que a velocidade atingida pelo avião é um dado fundamental tanto na descolagem como no voo e igualmente na aterragem. Pessoalmente, senti um enorme prazer há alguns anos ao sobrevoar a uma velocidade de apenas 210 km/h toda a ilha da Madeira e depois o Porto Santo. A uma velocidade tão baixa só de helicóptero, e foi de facto de helicóptero que a viagem me foi proporcionada.
Noutro caso, este passado na guerra colonial em Angola, vi o piloto de uma pequena avioneta (Auster) tentar aterrar a uma velocidade demasiado reduzida numa pista e estatelar-se no chão (foto), partindo o trem de aterragem e mais umas pecitas. Um mínimo de velocidade é essencial para que o aparelho não entre em perda e caia sem apelo nem agravo.
E como se mede a velocidade? Se, no chão, com o nosso automóvel a coisa não parece muito difícil de medir devido ao contacto dos pneus com a estrada, no ar a situação é um bocado diferente. Aí funciona um conjunto de sensores que, por intermédio de computadores que lhe estão ligados, determina a velocidade de voo do aparelho. E se há uma avaria nos sensores? Em princípio deveria haver um plano B, mas admito que não sei.
Sei, no entanto, que o organismo que foi encarregado do inquérito técnico ao acidente com o Airbus da Air France ocorrido na semana passada apontou "uma incoerência das velocidades medidas" no fatídico voo AF 447 que matou 228 pessoas. Falha dos sensores? Já vimos que um aparelho que voe a velocidade excessivamente baixa entra em perda. E se a velocidade for excessivamente elevada? O avião pode desintegrar-se. E já houve problemas com estes controles nos Airbus A330 e A340? Sim.
Foi por estas e por outras que sindicatos ligados à aviação apelaram às tripulações para que se recusem a embarcar até que os aparelhos tenham, pelo menos, dois novos sensores. A Air France anunciou ontem a troca imediata deste equipamento de medição de velocidade! Entretanto, uma notícia anterior indicava que os sensores do A330 que fazia a travessia Rio de Janeiro-Paris estavam já assinalados e deveriam ter sido trocados há um ano...
Responsabilidade social da Air France? Cumprindo uma recomendação da Airbus, datada do início de 2008, várias companhias têm estado a substituir os sensores. Ultimamente, foi uma companhia do grupo Lufthansa e uma outra, americana, que anunciaram a substituição dos sensores de leitura de velocidade nos seus aviões Airbus.
Dos ares, passemos para algo mais terra-a-terra, ou mesmo para o fundo desta.
Como intróito porque o outro caso vem apenas a seguir, lembremos que, no filme de 2005 O Fiel Jardineiro, o realizador brasileiro Fernando Meirelles adapta um romance do conhecido John le Carré que tem como pano de fundo a exploração de cobaias humanas para acções de pura (e dura) testagem de novos medicamentos. Algumas dessas pessoas morrem, outras ficam a sofrer de diversos males, outras resistem. A acção decorre algures num país africano e mostra a conivência - certamente através de suborno - de algumas autoridades locais. A multinacional farmacêutica que leva a cabo essas eventualmente perigosas experiências em seres humanos, africanos e pobres, revela uma baixíssima responsabilidade social. Mas é assim que contribui para construir os fartos lucros que espera registar no final de cada ano para gáudio dos seus administradores e accionistas.
Por coincidência de razões de exploração humana, a notícia que saiu muito recentemente na imprensa - a multinacional petrolífera Shell acordou em pagar 11,1 milhões de euros "num acordo extrajudicial do processo em que estava demandada por cumplicidade em casos de violação dos direitos humanos" na Nigéria - é aparentemente mais um caso verídico de baixa responsabilidade social por parte de uma grande empresa. Há cerca de 50 anos que a Shell opera na Nigéria a pesquisa e exploração de petróleo. Nos últimos 16 anos o povo ogoni, de uma das regiões onde o petróleo era explorado, revoltou-se contra o facto de não ter qualquer compensação pela destruição do ecossistema do seu território. Criou-se um vasto movimento de protesto, que foi liderado pelo ogoni Saro-Wiwa e que conseguiu, através de manifestações pacíficas em 1993, impedir a Shell de prosseguir com as suas actividades no Sul da Nigéria. O gigante petrolífero foi acusado de "poluir o ambiente, de não partilhar a riqueza obtida na exploração petrolífera com a população local e de justificar a forte presença dos militares no delta do rio Níger". O resultado foi que, após um julgamento realizado em 1994 e considerado uma farsa pela comunidade internacional, nove activistas do movimento ogoni, incluindo o fundador Saro-Wiwa, foram condenados à morte e enforcados.
Num comunicado ontem divulgado, a Shell informa que o pagamento da indemnização constitui "um gesto humanitário" num "processo de reconciliação" com as populações locais. Ah, é verdade: a Shell mantém mais umas boas dezenas de campos de exploração petrolífera na Nigéria.

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