6/23/2009

Romeu e Julieta: uma tragédia real

A Vanessa, que calhei conhecer há dias, é uma das muitas brasileiras que decidiram vir para Portugal para fazer algum dinheiro e enviá-lo para a família. Neste momento dá assistência a pessoas de idade. Tenciona ficar no nosso país mais uns dois ou três anos. É casada e tem um filho. O marido, indiano, ficou no Brasil, onde tem o seu emprego. Contou-me a Vanessa que conheceu o marido na Índia, país para onde ela foi como missionária. A certa altura apaixonou-se pelo Anil. E ele por ela. O Anil tinha já uma profissão que não é rara na sua cidade natal, Jaipur: especializara-se em pedras preciosas. Quando a família de Anil ouviu falar em casamento com uma mulher cristã, opôs-se frontalmente. O clã familiar não podia consentir a entrada de estranhos. Anil avançou com o casamento e, com isso, fechou definitivamente a porta à sua família. Esta afirmou que não mais o receberia. Foi então para o Brasil, onde desempenha a profissão em que se especializou. A vida difícil e a necessidade de dar uma boa educação ao filho, obrigaram entretanto Vanessa a abandonar temporariamente o Brasil e vir para um país de língua portuguesa. Ela fala inglês bastante bem, mas o português é a sua língua materna.
A história da Vanessa e do seu marido não é total novidade para mim. Os laços familiares em determinadas partes do mundo e religiões não permitem casamentos como o deles. Quando há um ano e meio estive na Índia, recordo-me que durante uns dias andei com um jovem motorista que tinha um problema semelhante. Ele era hindu, ela, que vivia no Punjab, era Sikh. Correspondiam-se por carta e telefonavam frequentemente. "O meu grande problema não é a falta de dinheiro, embora este não abunde", dizia-me ele. "A questão toda gira à volta da família dela. Ignoram-na e deserdam-na se ela se casar comigo, nunca mais quererão saber da filha."
Para nós, portugueses, já não é hoje muito comum encontrar oposições familiares devido a questões de religião, embora factores impeditivos de outra natureza, nomeadamente de ordem social, sejam ainda relativamente vulgares. Apesar disso, qualquer comparação entre o que se passa em Portugal e na Índia faz pouco sentido. Na Índia os casos chegam a ser muito mediáticos (pelo menos para a imprensa ocidental). Eis o último de que tive conhecimento.
Ela, Amreen, era muçulmana; ele, Lokesh, hindu. Viviam numa povoação relativamente pequena. A despeito das suas diferentes religiões, apaixonaram-se e decidiram casar-se. Fizeram-no numa outra localidade. Quando regressaram, o conselho dos veneráveis das duas famílias reuniu-se. Da reunião saiu a decisão de ordenar a anulação do casamento. Caso contrário, era a morte que os esperava. O seu casamento não era aceite nem por uma comunidade nem por outra. Na sequência do veredicto, o casal suicidou-se por envenenamento.
Ouvido por um jornalista, o chefe da aldeia disse que o casal tinha cometido o fatal erro de regressar à aldeia. Se se tivessem estabelecido noutra localidade, as famílias não poderiam agir. Assim, embora a morte do casal fosse lamentável, as famílias cumpriram o seu dever. "Na nossa aldeia, os hindus casam-se com hindus e os muçulmanos com muçulmanos. O que aconteceu é muito triste, mas o que esperavam eles? A pressão sobre as duas famílias era enorme. Era a desonra que estava em jogo."
A polícia tomou conta da ocorrência e afirma que o jovem casal tinha legalmente todo o direito de viver na aldeia. Porém, ser-lhe-á muito difícil acusar alguém. Haverá uma barreira de silêncio. Por muito que a polícia tenha a lei pelo seu lado, o certo é que os habitantes da aldeia estão a defender códigos muito antigos e tradições que permanecem hostis a qualquer laivo de modernidade. Os Capuletos e os Montechios numa versão indiana? Aqui a tragédia é real.

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