Quiçama, 15 de Novembro de 19..
Além, naquele plano, começou há dias a desmatação. Recordo-me dos mil arbustos que lá se erguiam, de todo o emaranhado de cipós, do capim alto que se vergava sobre a picada. Três mulheres trabalham sob os ardentes raios de sol que as nuvens, piedosamente, encobrem a intervalos irregulares. Catana na mão direita, vão desfechando golpes mecanizados sobre as lianas que o gume afiado da alfaia não poupa. Aparentemente não se cansam. O rosto aparenta o rítus iniludível da resignação total, da vida que é dor. Mas o suor escorre-lhes pela face e pelos braços. Moscas zumbem à volta delas, prontas a pousar e a picar. Cada uma das mulheres traz um filho às costas. Bem anichados entre o pano e as costas, os bébés, embalados pelo constante vai-vém, pelo ritmado dobra-endireita, dormem. De tempos a tempos, quase que inconscientemente, as mães aconchegam-nos melhor contra o dorso.
Demorará ainda vários dias a desmatação. Dará muito trabalho. Mas, ao fim, a terra ficará preparada para a nova plantação de algodão.
Foi o monitor que indicou aquele local. Não se preocupou com mais nada. Os tractores, que a Companhia algodoeira possui, bem poderiam num dia ou dois trabalhar toda aquela terra. Evitar-se-ia aquele cansaço incrível para o nativo que não geme, ajudar-se-ia a levantar o povo, que teria ânimo para outras tarefas. Ver-se-ia o negro sorrir! Assim, as poucas energias que a sua subalimentação lhe confere são ingloriamente esbanjadas ali no roça-mato.
Mas a algodoeira não desgastará o material dum tractor. Economizará combustível = dinheiro. Não terá de pagar a um assalariado tractorista. Não dará maus exemplos.
E, dirá o experiente monitor, o algodão vem ao mesmo preço o quilo. "Sabe, assim eles até ganham mais amor à terra!"
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