10/03/2004

Vim há pouco do teatro, e era suposto estar bem disposta. Mas não estou.

Tentei em vão fingir que o que presenciei não tinha importância de maior, era apenas uma cena infeliz, mas, na verdade, tem importância, e muita.

Refiro-me às manifestações do público durante o espectáculo. Se já achei de um tremendo mau gosto que, mesmo sem réstia de humor, se rissem desbragadamente a cada frase acabada com a palavra ?porra? ou similar, achei inqualificável o riso geral da assistência perante a violência física exercida pelo protagonista sobre a sua amante, numa cena de clímax emocional, que nada tinha de cómico: ele, um escroque, tentando à força de pontapés e palavrões fazê-la sua cúmplice no negócio criminoso e chorudo que preparava?

Veio-me de imediato ao espírito aquela outra cena televisiva de há anos, em que o público se riu alarvemente quando a deputada Odete Santos declamava, com grande sentimento, que à Luísa que sobe a Calçada de Carriche, ?saltam-lhe os seios na caminhada?? Na altura, tamanha demonstração de boçalidade envergonhou-me. Infelizmente, neste campo nada mudou desde então.

Não me espanta o riso do público, se pensar nas estatísticas da violência doméstica e na brandura com que são aceites, no voyeurismo obsceno que os telejornais diariamente alimentam, nos índices de audiência dos programas televisivos, para não ir mais longe. Não me espanta, mas choca-me.

Com alguma angústia me pergunto que espécie de país é este que deixarei aos meus filhos. E quem são estes seres, meus compatriotas, que amanhã vão votar decisões importantes para a vida de todos nós.

Baixámos três lugares no ranking de desenvolvimento humano do relatório da ONU. Sem que descortine sinais de mudança, temo que a vulgarização e massificação da boçalidade - parceiros privilegiados dos convencionais índices aferidores do subdesenvolvimento - ainda nos levem mais longe.

Vim há pouco do teatro, e era suposto estar bem disposta, Mas não estou.

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