10/18/2004

O Princípio da (Im)prudência

Qualquer gestor sabe que existem princípios gerais de contabilidade aos quais é preciso atentar. De entre esses princípios -- todos importantes -- avulta um como possivelmente o de maior relevância: o da prudência. De facto, toda a gente entenderá que se um gestor decidir estimar, por valores irrealisticamente acima daquilo que o mercado pagará, um activo a alienar, a contabilidade da empresa fica claramente inflacionada nos seus activos, pelo que quebrará outro princípio importante: o da fiabilidade.
Esta questão vem a propósito do Orçamento de Estado para 2005. É um orçamento que contém algumas medidas correctas, que só pecam por não irem mais longe (v.g. cruzamento de dados, aumento da possibilidade de quebra do sigilo bancário, taxas mínimas de 15 por cento de imposto sobre a banca). Infelizmente, porém, baseia-se em premissas que provavelmente mostrarão não ser prudentes. Como 2005 é um ano de eleições autárquicas -- e este Governo acaba de demonstrar com o episódio dos Açores que gostaria de ganhar todas as eleições, a qualquer custo -- há que abrir os cordões à bolsa para contentar os eleitores. De há muito se sabe que a política é um dos grandes adversários da economia. Estamos perante mais um caso. E depois vêm as legislativas em 2006!
Enquanto o governador do Banco de Portugal prudentemente recomenda a continuação da contenção de despesas, este orçamento prevê baixa de impostos nalguns escalões do IRS e menor receita do IRC, além de aumentos na Função Pública. E como é que o Estado vai conseguir este brilharete se até agora tem andado a vender os seus bens para cumprir o Pacto de Estabilidade? Com pozinhos de demagogia?
Um dos grandes problemas das finanças do Estado é, como se sabe, o sector da Administração Pública, que engole a quase totalidade das receitas fiscais. Recordo a vez em que Marcelo Rebelo de Sousa admitiu ele próprio que isso resultava do número excessivo de funcionários que, ora como "boys" ora como "laranjas", eram injectados no sector pelos dois maiores partidos sempre que estão no governo.
Santana Lopes manda às urtigas o controlo do défice, que constituiu a grande prioridade de Barroso e Manuela Ferreira Leite. O Ministro das Finanças nega que isto seja verdade e parece que ele gostaria que não fosse assim, pois as consequências para o país são nefastas. Mas o conjunto do Governo, optimista e anti-tanga, considera que a retoma está aí apesar do elevadíssimo preço do petróleo, que afecta sobremaneira o desenvolvimento económico. E os senhores que presentemente gerem o país estimam que essa retoma se traduzirá num acréscimo de receitas provindas do IVA da ordem dos 7 por cento! Quem acredita que não se trata de um puro caso de "wishful thinking"? O ex-Presidente do BCE, Duisenberg, ocasionalmente em Lisboa, comentou que "quando o défice é um problema, cortar nos impostos nunca é uma medida sensata. Pode ser popular, mas derrota-se a si mesma."
Por outro lado, confirma-se oficialmente que Portugal ultrapassou o tecto de 60 por cento de dívida pública no PIB, contra o preconizado no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Para onde vamos, se vamos por aqui? Ao que a democracia populista obriga! Quem paga a factura depois?

Sem comentários:

Enviar um comentário