9/21/2005

A influência da estrangeirização na indústria alemã

As eleições que acabaram de realizar-se na Alemanha mostraram um país dividido e colocado numa charneira entre a necessidade de reformas e o posicionamento sintetizado pela conhecida fórmula "para melhor está bem, está bem; para pior já basta assim". A Alemanha é um país orgulhoso e tem fortes razões para se orgulhar. Tem igualmente motivos históricos para se envergonhar, mas cremos que esse acto de contrição já foi feito há décadas pela maioria da população. A Alemanha que ressurgiu da 2ª Guerra Mundial foi, para além dos destroços que precisaram de ser removidos a fim de permitir a reconstrução, uma nação de luta. Baseada na sua cultura e saber, não demorou muitos anos a constituir-se como poder económico a ter em conta. Quem se lembra da sociedade do bem-estar de Ludwig Erhardt, pode imaginar bem o quanto orgulhosos os alemães estavam da reconstrução da sua pátria. O espinho da divisão entre Alemanha Ocidental e RDA veio, ao fim de cerca de cinquenta anos, descravar-se com a reunificação. Foi uma reunificação custosa, com o governo a ter que abrir (muito) os cordões à bolsa para colaborar no re-erguer da parte leste. Foi também um enorme choque, principalmente para as pessoas de meia idade da República Democrática, terem de viver no seio de um regime que tinham sido habituadas a odiar. A República Federal, que no seu período áureo tantos Gastarbeiter, turcos, espanhóis, portugueses e italianos tinha atraído, começou a perder a sua velocidade habitual. O esforço da reunificação foi grande, as contribuições para uma alargada União Europeia foram substanciais.
E como não há duas três, veio a estrangeirização da economia. A Alemanha sempre foi um país industrial. A abertura da China e países do sudeste asiático, a que se juntou a abertura dos países de leste libertados pela desintegração da União Soviética, possibilitou à indústria alemã uma mão-de-obra bem mais barata do que na Alemanha propriamente dita. Que fazer se não aproveitar essas oportunidades? O confronto que se criou na sociedade alemã foi -- e continua a ser -- violento. Como país exportador, a Alemanha viu as suas empresas mais consagradas insistirem na ideia de que se encontravam num mercado globalizado e fortemente competitivo. Se não fizessem o mesmo que os outros, que estavam a aproveitar essas mesmas oportunidades, deixariam de ter escoamento para os seus produtos. Várias empresas deslocalizaram-se, total ou parcialmente. Outras negociaram com os sindicatos dos seus trabalhadores. As conversações foram duras, mas chegaram a termos conclusivos. Na generalidade, o económico prevaleceu sobre o social. A fim de assegurarem os seus postos de trabalho, os trabalhadores como que "lestizaram" ou "asiatizaram" os seus salários e as suas regalias sociais. Perderam o 13º mês, os seus salários reais são hoje inferiores aos de 2000. Reformam-se mais tarde. Entretanto, a taxa de desemprego do país aumentou para números recorde. Cerca de 4,7 milhões de trabalhadores no desemprego -- o equivalente a toda a população activa portuguesa! --ocasionaram um encargo extra para o Estado. Este não tem conseguido cumprir o Pacto de Estabilidade da União Europeia nos últimos quatro anos.
E as grandes firmas exportadoras? Bem, essas passaram a andar de vento em popa! Com mão-de-obra altamente especializada e a bem conhecida organização germânica, com salários reduzidos e mais horas de produção, as exportações treparam. A imagem de produto "made in Germany" conta muito! O resultado é que as empresas alemãs viram as suas acções valorizar-se. Nos últimos 10 anos, os seus lucros aumentaram 60 por cento. A Alemanha, que emergira do pós-guerra sem exageradas diferenças salariais, encontra agora elites muito ricas e, mais importante e grave, pobreza no país. É algo que necessariamente choca os alemães e entra em conflito com o seu orgulho nacional.
Infelizmente para as elites ricas, não são elas que fazem girar a economia interna, mas sim o grosso da população activa. O problema é que os trabalhadores têm menos dinheiro e não conseguem encarar o seu futuro com a mesma confiança de outros tempos. Consequentemente, a economia não progride à velocidade habitual. Em vez de comprar automóveis de três em três anos, a maioria da população espera que eles durem até aguentarem. Idem com outros produtos. Daí que o Estado arrecade menos receitas. Ora, ao ter de desembolsar mais, tanto para os pensionistas como para os desempregados, o Estado descapitaliza-se e tem, necessariamente, de encetar reformas. Fazer desaparecer o estado social é, contudo, algo impensável para a cultura alemã. A população entende a necessidade de reformas, mas reage com natural medo e insegurança. Uns mais do que outros, como sempre sucede. Daqui resulta uma nação dividida, algo que já vimos recentemente, mas por outros motivos, nos Estados Unidos.
Acho que, em vez de assobiarem para o lado, os portugueses deveriam interessar-se mais pelo que se está a passar na Alemanha. Quando a locomotiva da União está assim...

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