Foram hoje publicados os resultados das candidaturas de acesso ao ensino superior. O processo continha este ano aquilo que, para algumas instituições, constituía uma condicionante de peso: o requisito da nota mínima de 9,5 numa das Provas de Ingresso. Se este requisito não fosse preenchido, uma média de 15 ou 16 no ensino secundário de nada serviria.
Esta é uma medida inédita. Prevista já há 4 anos, esteve para ser implementada o ano passado, mas acabou por sê-lo apenas nesta candidatura. Uma medida como esta carece de um mínimo de três anos para ser implementada devido ao facto de o conjunto dos anos 10º, 11º e 12º do ensino secundário perfazer o número de três. Por idêntico motivo, as escolas que apresentam ao Ministério uma alteração do seu conjunto de Provas de Ingresso têm igualmente que esperar três anos para que essa alteração possa entrar em vigor.
Para quem não é versado nestes assuntos, será importante informar que existem duas grandes divisões, virtuais, nas Provas de Ingresso: as que incluem Matemática e as restantes. Para a generalidade dos alunos do Secundário é bem mais fácil obterem um 15 a Português, Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social, Economia ou Direito, do que a Matemática. A outra divisão faz-se, grosso modo, entre ensino público e privado e, dentro desta dicotomia, entre cursos universitários e cursos politécnicos.
As universidades já requerem uma nota mínima de 10 há vários anos e não têm tido problemas com isso. O mesmo não podem dizer todos os cursos dos politécnicos. Relativamente àqueles para os quais a Matemática é uma disciplina essencial -- cursos como os de Engenharia ou de Contabilidade --, as escolas têm efectuado através dos seus Conselhos Científicos alguns "casamentos" para a Matemática que, em caso de necessidade, equilibram as médias, a que se junta a sempre positiva média do Secundário. A fórmula habitual nos anos mais recentes tem sido a seguinte: média do secundário x 0,65 + provas de ingresso x 0,35. No caso da Contabilidade, tem sido vulgar juntar-se à Matemática a cadeira de Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social, de Economia, Português B ou ainda a de Geografia. Como que por artes mágicas, as notas sobem uns pontinhos. Ora, este ano essa benesse acabou. E acabou por ordem do Ministério, que se afirma interessado em "elevar a qualidade". Leia-se nas entrelinhas "e reduzir despesas devido a constrangimentos orçamentais". Ao financiar menos alunos, o Estado diminui as suas despesas, não só devido às fórmulas de cálculo como também porque eventualmente o número de docentes necessário para leccionar será menor. Assim actua o gato.
E o rato? Bem, as escolas defendem-se como podem. Já que o anúncio das alterações para os alunos foi feito há quatro anos, muitas delas procuraram que as Provas de Ingresso fossem modificadas também. Agindo em conformidade, os respectivos Conselhos Científicos terão feito entrega atempada no Ministério dessas alterações. Com a finalidade de evitarem grandes desastres para as instituições, juntaram ao requisito da Prova de Ingresso de Matemática alternativas oficialmente válidas: Direito, por exemplo, Economia, ou Psicologia. Efectuar uma Prova de Matemática ou uma de Psicologia passou a valer o mesmo. É depois automaticamente escolhida a de classificação mais elevada. Assim se contorna o obstáculo sério da Matemática.
Quem não estiver ciente destas transformações nas regras de acesso e julgar que todas as escolas se regem pelo mesmo padrão estranhará certamente que o ISCAP (Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto) tenha este ano oferecido 350 vagas no conjunto do seu curso de Contabilidade e Administração diurno e nocturno e tenha logrado preencher todas essas vagas menos 26 logo na 1ª fase. Em contraste acentuadíssimo, institutos similares de Aveiro e Lisboa ofereceram no seu conjunto um total de 533 vagas para cursos idênticos e não preencheram mais do que 64 dessas vagas, ou seja uns paupérrimos 12 por cento. Há decerto ratos que são mais lestos e vivos do que outros.
Restam duas perguntas finais. Primeira questão: o processo é legal? A resposta é afirmativa e não deixa margem para dúvidas. Segunda questão: o processo é ético? Será que deixar entrar numerosos alunos com notas de 3, 4, 5, 6 ou 7 valores a Matemática não irá afectar o seu progresso no curso? Poder-se-á dizer que essa questão já se levanta há muitos anos e que o sistema sempre reagiu da única forma possível: deixando passar os que aprendiam o suficiente e reprovando os restantes. É decerto por isso que o elevado número dos "restantes" em algumas instituições vai agora parcialmente colmatar, na disciplina de Matemática, a falha de novos alunos. Para os docentes das restantes disciplinas do 1º Ano, a música tem acordes mais dramáticos. Aos alunos do 1º Ano das escolas de ratos lestos, desejos de boa sorte!
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