Há cerca de 20 anos, estando o meu filho na Escola Alemã de Lisboa, comecei a notar que as suas notas, habitualmente boas ou suficientes, estavam a descer pronunciadamente. "Estão a ser injustos, pai. Lá porque tive -- e realmente tive --notas menos boas a duas disciplinas, estão a baixar-me as classificações nas outras. Injustamente." Mostrou-me um teste de Inglês, classificado com 11 valores. Pela análise do teste, tive, algo relutantemente, que concordar com ele. De facto, 11 era pouco para quem escrevia assim. Fui à escola falar com a direcção. Receberam-me de forma muito cordial e ouviram-me atentamente. Falámos metade em alemão e metade em português, o que foi curioso. Expliquei ao director da escola e ao director do ano, ambos alemães, que a sua aparente estratégia de baixar outras notas que não só as devidas, com a finalidade de espicaçar um aluno que precisava de melhorar a duas disciplinas, não resultava necessariamente bem na nossa cultura. Poderia ter, até, efeitos contraproducentes, levando o aluno a ir-se abaixo ao sentir-se injustiçado. (Note-se que o ensino na Escola Alemã a alunos provindos do ensino primário português era então uma novidade relativa. O meu filho estava há cinco ou seis anos na escola, que era e continua a ser esplêndida.)
A conversa não caiu em saco roto. Pouco tempo depois, a escola decidiu rever esse seu método. O que se passava com o meu filho ocorria igualmente com outros estudantes. A situação melhorou consideravelmente e o incentivo ao estudo voltou ao normal.
Este episódio é aqui narrado apenas para ilustrar o facto de que muitos portugueses se vão abaixo ao terem más notícias. Ao contrário de outros povos que poderão reagir de forma diferente, nós tendemos a carpir sobre o que é mau. Um tanto masoquisticamente -- e haverá algo mais masoquista do que as letras de muitos dos nossos fados? --, ferimo-nos ainda mais a nós próprios.
De uma maneira geral, os nossos media exploram esta faceta e encharcam-nos de notícias más, das que cortam o coração. Dos incêndios, que constituem um inferno, aos constantes ataques a governantes e a ex-governantes, o país está dilacerado, em chaga viva. Quase que nem apetece ser português!
É aqui que bate o ponto! Este desencorajamento desincentiva. Em vez de levantar a cabeça, o país afunda-se. Quem ganha com isso?
Foi ontem publicado o relatório anual das Nações Unidas sobre o desenvolvimento humano. Portugal terá descido um lugar relativamente ao ano passado no ranking mundial. Ocupa agora a posição 27ª entre 177 países. Tem registos notáveis, contudo. Um deles é o facto -- importante, porque estrutural -- de ter conseguido nos últimos 30 anos baixar a taxa de mortalidade neo-natal da elevada taxa de 53 mortes no primeiro ano de vida, por mil crianças nascidas, para apenas 4 por mil. A nossa esperança de vida aumentou correspondentemente. Ora, dados positivíssimos como estes, que contrastam com duras realidades em países como a Rússia, onde a esperança de vida é apenas de 59 anos para os homens e de 72 para as mulheres, e como o Mali, a Serra Leoa e o Iémen, onde as taxas de mortalidade neo-natal estão acima das 200 crianças por cada mil nascidas, são metidos no saco do esquecimento. O que interessa é que Portugal baixou um lugar no ranking (embora tenha a mesma pontuação da Eslovénia, que nos precede).
Todos sabemos que notícia é "o que não deveria ter acontecido"; é aquilo que "há-de incomodar alguém algures no mundo". Mas que efeitos causa este tipo de análise?
Como pai, no caso que referi gostei muito que a direcção da Escola Alemã tivesse repensado a sua estratégia. Os resultados surgiram logo -- porque o potencial estava lá!
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