10/30/2005

Uma lição da toponímia nacional

Os nomes que são dados às múltiplas localidades de um país derivam de um sem-número de itens: factores geográficos (rios, ribeiras, montes, vales, várzeas), nomes de santos protectores, corruptelas de designações antigas, etc. Muitos topónimos derivam também dos nomes de árvores, arbustos e plantas de vária ordem. Tal como sucede noutros países, Portugal é rico neste domínio. Proponho que demos uma mirada por esses topónimos.
Matas de faias dão-nos o Faial. Carvalhos dão-nos Carvalhais, Carvalhos, Carvalheira e Carvalhosa. Castanheiros dão-nos Soutos, Soutelos e Castanheiras, como Castanheira de Pera. Nogueiras emprestam o seu nome a muitas localidades, como Vila Nogueira de Azeitão. O funcho, de que o caracol tanto gosta, dá-nos o Funchal. Do junco vêm Juncal, Juncais e Junqueira. Da oliveira, temos Olival, Oliveirinha e múltiplas Oliveiras, de que a de Azeméis será a mais conhecida. Da ameixieira, temos Ameixial. Das matas provêm as Moitas e as próprias Matas. Povoações com o nome de Abrunheira, Nespereira, Nesperal, Alandroal (de aloendros), Amieira, Amiais (de amieiros), Amoreira e Moreira (de amoras) remetem-nos para mais árvores, de fruto ou não, e para arbustos. Cedros, Coentral, Horta, Fenais (de feno), Feteira (de fetos), Cebolais, Figueira, Figueiredo, Figueiró e Freixo lembram-nos outros elementos do nosso mundo vegetal. Aroeira, Avelal, Avelar, Avelãs, Beringel, Zambujeira, Azambuja, Zambujal, Azinhal, Pessegueiro, Laranjeiro, Tramagal, Olaias, Pereiro, Pereira e Macieira juntam-se à longa lista. Das malvas vêm as Malveiras, das murtas o Murtal e a Murtosa, dos nabos Nabais, dos marmelos Marmeleira, do louro Loureiro, Louredo e Lourosa, das silvas as Silveiras e Silvalde, do salgueiro Salgueirais, do sobro Sobral e Sobreira. E ainda: Nabais, Palmeira, Palmela, Sabugo, Sabugueiro, Rosmaninhal, Vimioso, Vimeiro, Vimieiro, Romãs, Salsas. De um país rico em vinho é natural que surja Vide, Vidigueira, Vinhó, Vinhas e Vinhais. Da árvore que mais tem ardido em Portugal são numerosos os topónimos: Pinheiro, Pinheiros, Pinho, Pinhão e Pinhel.
Existem muitas mais designações, mas esta listagem já nos dá uma ideia razoável. O que se poderá estranhar é que a árvore que mais aumentou em área plantada em Portugal, o eucalipto, não esteja representada com um único topónimo. E, no entanto, entre 1928 e 1995 a área plantada com eucaliptos em Portugal aumentou 90 vezes! (Lamento não possuir estatísticas credíveis pós-1995, mas todos podemos ver na nossa paisagem o aumento exponencial dos eucaliptais.) Porque será que as populações não quiseram denominar de "Eucaliptal" nenhuma das suas localidades, à semelhança de Olival e Olivais, ou Carvalhal e Carvalhais? Dir-me-ão: porque é uma árvore relativamente nova em Portugal. Será um motivo. Mas o principal é o facto de o eucalipto ser uma árvore que contribui -- e de que maneira! -- para a desertificação do território. É o oposto de povoamento. Onde há largas plantações de eucalipto, tendencialmente não há pessoas. Permito-me recordar que essas plantações não são matas. Faltam-lhes os três componentes habituais: as ervas, os arbustos e as árvores propriamente ditas. Destes três elementos, o eucaliptal só tem as árvores. Os eucaliptos. Eles próprios. Chupistas de toda a água que encontram. Os seca-pântanos de antigamente vieram para secar o país e alimentar as companhias de celulose. É uma forma de tratar o país como se fora uma colónia que apenas se explora. O mais possível. Sem pensar nas gerações vindouras. Tudo no curto prazo, porque dá rendimento rápido. Pouco nos devemos admirar dos incêndios a perder de vista que destroem as matas autóctones de Portugal, aquelas que no fundo deram os nomes a tantos vilares, aldeias, vilas e até cidades. Esta é uma lição que a toponímia nos concede, como que a dar-nos um conselho: quando os incêndios deflagram, não se olhe apenas para as alterosas e mediáticas chamas que iluminam o céu e tudo devastam à sua frente. Pense-se também, e principalmente, nas futuras raízes que no terreno ardido se vão criar!

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